“Tusk”: Fleetwood Mac E Seu “Álbum Branco”

Disco duplo e experimental faz 35 anos e segue inovador

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Tusk, o décimo-primeiro álbum da carreira de uma banda de talento como Fleetwood Mac, marca uma declaração de princípios. É um vigoroso “não” bradado contra a continuidade criativa, também conhecida por acomodação. Também é a tentativa de um grupo permanecer junto, mesmo que seja em termos estritamente profissionais. Também é uma abertura rara à experimentação, ainda que esse ato possa significar a perda de dinheiro no resultado final. É risco. Não é exagero dizer que a versão anglo-americana de Fleetwood Mac foi uma das mais famosas e importantes bandas da segunda metade dos anos 1970. É engraçado porque ela é deixada de lado quando fazemos aquele inventário do período, no qual estão presentes Led Zeppelin, Pink Floyd, The Rolling Stones e demais gigantes do gênero. Não se iluda, a “Big Mac”, como era conhecida, também era enorme e cheia de talentos. Em 1977 a banda estava no auge e havia lançado um álbum clássico daquela época: Rumours. O disco alcançou números impressionantes de vendas, chegando ao topo da parada Billboard, na qual permaneceu por 31 semanas. Em 1980 o número de cópias vendidas era de 13 milhões, sendo considerado o sexto álbum mais bem sucedido nos Estados Unidos em todos os tempos. Com Tusk, seu sucessor, todo o êxito de Rumours foi colocado em xeque.

Convém dizer que há duas versões de banda com o nome de Fleetwood Mac. A primeira, inglesa, seguia a corrente de brancos britânicos demonstrando seu apreço e admiração pelo Blues americano. Lançou nove discos entre 1968 e 1974, com as presenças marcantes do guitarrista e vocalista Peter Green, do baixista extraordinário John McVie´, sua esposa, tecladista e vocalista Christine McVie e do baterista Mick Fleetwood, um dos maiores no instrumento em todos os tempos. Além deles, vários músicos foram e vieram nesta primeira versão blueseira. Tudo mudaria a partir de 1975, quando Fleetwood chegou a Los Angeles para procurar estúdios interessantes para um novo álbum do grupo. Em meio à cena da cidade, Mick conheceu um duo iniciante, Buckingham e Nicks, formado por um casal da região. A música que eles faziam era oscilante entre o Folk pós-hippie e o Soft Rock, tudo muito bonito, harmonioso e legal.

Mick viu em Lindsey Buckingham um enorme talento. Guitarrista, vocalista e excelente compositor, Lindsey era a metade criativa do duo, mas sua esposa, Stevie Nicks, não ficava atrás. Muito bonita, dona de timbre vocal peculiar e igualmente talentosa como compositora, Stevie era um a pequena aparição. Mick então convidou Lindsey para integrar Fleetwood Mac e recebeu como resposta a condição de que ele só iria se Stevie também fosse. Talvez sem ter ideia do que o futuro aguardava, John aceitou e o casal juntou-se ao restante da banda, que recebia aí a oportunidade de recomeçar.

O resultado apareceu logo no álbum lançado ainda em 1975, homônimo. Era um novo som, muito além do Blues Rock de antes e não totalmente americano e californiano como se supunha. Era uma incursão cirúrgica do Rock mais tradicional naquela mística do Oeste musical e, por assim dizer, uma sonoridade absolutamente nova. Com o álbum seguinte, Rumours, esta condição foi levada a novo nível, sobretudo pelo entrosamento musical de Stevie e Lindsey com o restante da banda. Canções irretocáveis como Dreams, You Make Loving Fun e a adorável Go Your Own Way, arremessaram o disco para os píncaros das vendas e execução nas rádios. Quem prestasse atenção às letras, no entanto, perceberia que os dois casais do grupo estavam aos frangalhos. John e Christine já nem se olhavam mais, enquanto Stevie e Lindsey trocavam farpas pesadas e tinham discussões homéricas. Além disso, num tempo e local em que havia facilidade extrema para o consumo de drogas, como a cocaína na região de Sausalito, San Francisco, o uso por parte de músicos e equipe tornou o clima realmente estranho, levando a um clima péssimo de trabalho durante as gravações. De qualquer forma, esse desentendimento funcionou a favor das composições e da própria banda, amplificando o poder das canções e trazendo ao grupo uma popularidade inédita até então.

Quase dois anos depois, o grupo estava de volta aos estúdios. Casais separados, apenas o profissionalismo restando entre os integrantes. O caminho mais natural seria a repetição da fórmula vencedora do álbum anterior, na tentativa de emplacar sucesso semelhante. Havia grande pressão da Reprise Records por isso e todos esperavam um Rumours 2. Não foi o que aconteceu. Com Lindsey no topo da forma como compositor e totalmente viciado em cocaína, as gravações tiveram início no fim de 1977. A ideia era levar o “tempo necessário” para a criatividade dos compositores da banda (além dele, Christine e Stevie) fluísse. E foi o que aconteceu. Ao fim de quase dois anos de sessões no estúdio e um milhão de dólares gastos com despesas de todos os tipos, Fleetwood Mac saiu-se com Tusk, o seu Álbum Branco. A comparação não é exagerada, tendo The Beatles como parâmetro. Assim como os quatro rapazes de Liverpool, os integrantes mantinham apenas as relações profissionais de praxe. Havia mágoa e ressentimento e as afinidades musicais não foram fortes o bastante para resistir. Das vinte canções do disco duplo, nove eram de Buckingham, seis de Christine e cinco de Stevie. Quase todas executadas solitariamente, com o uso maciço de overdubs. Mais que isso: eram canções experimentais, contemplativas, resignadas, fazendo a fragmentação das relações pessoais no microcosmo da banda como uma miniatura do momento que o próprio mundo vivenciava.

É possível cravar que Tusk seja um disco de adeus ao próprio “California Sound”, a última oportunidade de uma banda propor aquela sonoridade antes do progresso trazer as novas concepções sonoras que pipocavam pelo planeta: Punk, New Wave, Hip-Hop, Heavy Metal, Eletrônica. Tudo isso já batia à porta do estúdio em 1978/79 e Lindsey, bem informado por excelência, já prestava atenção nestas manifestações. Dele são as criações mais experimentais do álbum, que soam completamente revolucionárias num cenário que tinha tudo para ser tradicionalista. The Ledge já salta aos ouvidos como segunda faixa do álbum, totalmente impregnada de andamento New Wave, a faixa-título é uma canção bêbada, com participação de fanfarra e psicodelia em potência máxima. I Know I’m Not Wrong é outra criação torta, ainda que mais convencional, com pinta de rascunho de obra inacabada, assim como Save Me A Place. Enquanto as músicas compostas e gravadas por Lindsey apontavam para o futuro, Christine e Stevie mantinham-se mais convencionais e fiéis ao universo da banda. A primeira mostra isso logo na faixa de abertura, Over And Over, clássica balada Soft Rock, melancólica e plácida. A bateria de Mick é ouvida com sua batida em dobradinha com o baixo de McVie na terceira faixa, também de Christine, Think About Me, com arranjo mais voltado para o Rock clássico. O grande sucesso do álbum vem logo em seguida, sob a forma de uma canção de Stevie Nicks com nome de mulher: Sara. Várias interpretações são feitas sobre o significado da letra, sendo a mais aceita a de que as palavras de Nicks seriam a respeito de um suposto aborto de uma gravidez consequente do relacionamento dela com o baterista e vocalista de The Eagles, Don Henley, com quem namorava na época. O tema seria, inclusive, sugestão do próprio. É outra canção na qual se pode ouvir a excelência da condução de Mick na bateria. Ele nunca foi um destes exibidos no instrumento, sendo, como Ringo Starr, um mestre de detalhes sutis, porém marcantes, como ritmo, precisão e tempo. Outra canção de Stevie a ser lançada como single na época foi Sisters Of The Moon, mantendo sua cota de composições esotéricas.

O desempenho de Tusk foi muito bom para um álbum experimental. Frequentou o topo das paradas de sucesso nos Estados Unidos e Inglaterra por dois meses e chegou à marca de quatro milhões de cópias vendidas, performance considerada fraca pela gravadora, a partir do custo das gravações e do sucesso do álbum anterior. Mesmo assim, a banda encontrou fôlego para embarcar numa turnê mundial de dezoito meses, passando por Europa, Estados Unidos, Japão e Oceania. No fim de 1980, na Alemanha, houve uma turnê conjunta da banda com ninguém menos que Bob Marley And The Wailers. O resultado das apresentações foi condensado em um álbum duplo, lançado em 1980, Fleetwood Mac Live.

A banda pararia em 1981 para que seus integrantes lançassem projetos individuais, retornaria no ano seguinte para o lançamento de outro álbum interessante, Mirage, e depois experimentaria um hiato de seis anos até se reunir em um estúdio para um novo álbum. Em Tusk, Fleetwood Mac foi ousado como nunca, arrojado e graciosamente irresponsável. Cravou de vez seu nome na História.

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ARTISTA: Fleetwood Mac
MARCADORES: Aniversário

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.