Cadê – Os Paralamas Do Sucesso – O Passo do Lui (1984)

Segundo álbum trio é clássico absoluto do Rock brasileiro da década de 1980

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Cadê? desta semana vai emprestar o seu espaço para louvar o trigésimo aniversário daquele que considera um dos melhores álbuns de Rock produzidos no Brasil: O Passo do Lui, segundo trabalho do grupo Os Paralamas do Sucesso. Muito mais que um disco que trouxe oito hits nas rádios (entre as dez canções gravadas), O Passo segue como um trabalho discretamente revolucionário, inscrito na rara categoria dos que, além de romper barreiras e apontar padrões, também venderam bem, tocaram em rádio e permanecem atuais. Ouvido hoje, com 30 anos de idade, é quase um milagre que ele siga tão bonitão e jovem.

Pode parecer – e parece – papo de fã. Além do mais, já na categoria pessoal, o segundo disco do trio carioca tem uma carga enorme de memória afetiva para este escriba. É a trilha sonora de um tempo que não volta, de inocência passando, de malandragem tornando-se necessária como elemento indispensável à própria sobrevida adolescente. Em seus pouco mais de 34 minutos, há espaço para canções de amor amargas, doces, canções pra dançar, instrumentais, visitas simpáticas a sonoridades africanas, inglesas e jamaicanas e toda uma ingenuidade adolescente que é exuberante e plenamente intencional. É o som de uma banda feliz com o resultado de seu trabalho, afinadíssima com o mais moderno da música Pop mundial na época e totalmente senhora de si em seu caminho. Em outras palavras, O Passo do Lui é um clássico superlativo.

Quando o trio lançou seu primeiro disco, Cinema Mudo (1983), todo mundo celebrou, menos seus integrantes. Herbert Vianna, João Barone e Bi Ribeiro acharam o resultado pasteurizado, limpinho demais, mal gravado e pessimamente mixado. A produção de Marcelo Sussekind causou essa impressão, seguindo a orientação da própria gravadora EMI. Ele surgira do adorável microcosmo/incubadora da geração carioca do Rock oitentista. O envio da fita-demo para a Rádio Fluminense FM, a execução das músicas na programação da emissora, os shows no Circo Voador, a contratação por uma gravadora e o estouro nacional. Estes eram passos obrigatórios naquela época e os três Paralamas esbarraram na intervenção sutil dos executivos. Também era um tempo em que os próprios técnicos e engenheiros de som buscavam familiarizarem-se com os timbres e detalhes do Rock. Neste caso, encharcados em influências moderníssimas e Afro (Reggae, Two Tone, Ska), o trabalho era ainda mais complicado. Mesmo assim, o álbum trouxe canções legais como Patrulha Noturna, Vovó Ondina, a faixa título e um clássico na carreira do grupo, Vital E Sua Moto, em homenagem ao primeiro baterista que teve, ainda nos festivais da Universidade Rural do Rio, no início da década.

Deste jeito, com fome de bola e sangue nos olhos, a banda entrou em estúdio para o próximo disco. A safra de composições de Herbert era das melhores, retratando aquela vida pós-adolescente carioca, com humor, espírito esportivo e uma postura adorável diante das coisas que faziam parte do universo dos jovens de então. Como Marcelo Sussekind estava novamente escalado para a produção, a banda resolveu assumir a função em conjunto com ele, fato que mostrou-se decisivo para um resultado sonoro infinitamente melhor. A batucada que marca a introdução de Óculos já mostra o quanto de avanço o álbum propõe. Teclados jamaicanos safados servem de pano de fundo para uma performance extraordinária de Barone na bateria, deixando sua principal influência na época, Stewart Copeland, em maus lençóis para igualá-la. A canção dá o tom para todo o restante do álbum. Há clássicos como Meu Erro e Romance Ideal (com a guitarra de Herbert mostrando harmonia, lirismo e precisão) e fabulosas canções como Ska, Fui Eu, Me Liga e a impressionante Mensagem De Amor, com um dos solos de guitarra mais bacanudos do Rock nacional em todos os tempos. Imediatamente o jogo mudou para Paralamas. O sucesso foi tanto que o grupo foi convidado para o Rock In Rio, em 1985 e suas excursões, antes restritas ao eixo Rio-São Paulo, tornaram-se nacionais e serviriam, mais tarde, como combustível para outro trabalho clássico do grupo, Selvagem?, lançado em 1986.

Se há um álbum capaz de encapsular esse cheiro de espírito adolescente no Rock brasileiros dos anos 1980, Passo do Lui é a escolha óbvia. Depois de tantos anos e tantos eventos na vida dos músicos e dos ouvintes, ouví-lo, como já disse no início do texto, é um milagre. Ao contrário da maioria dos álbuns mencionados em Cadê?, este é um disco fácil de achar. Mesmo assim, eu, se fosse você, esperaria um pouco pois há rumores que a banda vai relançar sua discografia remasterizada e com faixas-bônus, algo bem próximo do ideal e do reconhecimento que Paralamas merece.

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MARCADORES: Cadê?

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.