“L.A. Woman” – O Último Disco de Jim Morrison

Derradeiro relato do grupo com seu vocalista revelava seu futuro enquanto se tornava o seu trabalho mais autêntico

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Jim Morrison morreu no dia 3 de Julho de 1971, pouco mais de dois meses após o lançamento do seu último disco a frente do The Doors. L.A. Woman é o relato quase póstumo de um homem que se via mudando continuamente, um ídolo incompreensivo que não quis e não soube lidar com a exposição que teve em tão pouco tempo. Para quem não sabe, ao mesmo tempo em que contemporâneos como The Beatles, Pink Floyd e The Rolling Stones tiveram carreiras mais longas e que ajudaram a construir ídolos que ainda realizam shows eventualmente, o The Doors durou exatos quatro anos.

De The Doors até L.A. Woman, seis discos foram gravados, diversas turnês foram realizadas e canceladas pelo comportamento “inconsequente” de seu ídolo, ao mesmo tempo em que um mito era criado. No entanto, a pressão, o álcool e a vontade explícita de ser, antes um poeta que um músico, fizeram Jim sucumbir em uma banheira em Paris por razões nunca reveladas, mas imaginadas por quem o conhecia. Uma cuidadosa audição revela que seu último relato pode ser considerado o mais poderoso da banda até então, o disco que explicitava verdadeiramente a vontade de tocar e compor o Blues, retomado anteriormente em Morrison Hotel. Foi o primeiro trabalho sem o seu famoso produtor, Paul A. Rotchild, que revelou em entrevistas estar entendiado nas gravações, assim como a banda: “nenhum dos dois parecia ter tesão”. Logo, nada parecia funcionar até que a dissolução do relacionamento fez com que o engenheiro de som, Bruce Botnick sugerisse ao The Doors gravar em seu próprio “estúdio/oficina” e foi então que começou a nascer um dos discos mais icônicos do Rock.

O espiríto livre que permeia toda a composição do disco como uma verdadeira jam session é definido pelos gritos de Jim não cortados, pelos rudimentos aleatórios do baterista John Deshmore, tudo isso enquanto o tecladista Ray Manzarek e o guitarrista Robby Krieger dividem os papéis de base e lead em cada uma das músicas. É a mistura do Blues que inspirou os primeiros versos de Morrison enquanto se cria uma música que bebe de influências experimentais do Jazz – Ray costumava afirmar que o The Doors sempre foi, em sua cabeça, uma espécie de quarteto de Jazz moderno – e o último disco do quarteto é a prova de que o grupo se afastaria justamente do estigma de hype pelas confusões relacionadas e pela baixa popularidade de Jim frente a mídia: “bêbado, baderneiro, inimigo do estado e “poeta”, para permanecer na história da música.

Curiosamente, o vocalista parecia saber que L.A. Woman seria o seu último disco. Seja no hiato pouco tempo depois de suas gravações para seguir o seu sonho de ser escritor em Paris, ou mais fortemente nas letras confessionais, o trabalho mostra Jim quase certo de seu destino: mudar. A abertura, The Changeling já revelava que mudanças estariam por vir : “I had money, I had none/ But I’ve never been so broke I couldn’t leave town/ I’m a changeling/ see me change” ao mesmo tempo em que jogava um Funk regado em influências de James Brown (tributo declarado na faixa). A raiva inicial e uma intrínseca vontade de se mostrar um camaleão mostra seus motivos na linda e melancólica, Hyacinth House: “I need a brand new friend who doesn’t bother me/ I need a brand new friend who doesn’t trouble me/ I need someone, yeah, who doesn’t need me”. Jim não quer mais ser um sex symbol e não quer que outros dependam dele no auge de seus 27 anos.

O álbum se tornaria também o segundo mais vendido na história da banda, apenas atrás de sua estreia, não só pela morte, mas também por possuir alguns de seus clássicos mais conhecidos. L.A. Woman, hino sobre a cidade dos anjos que Jim tanto amava também mostrava uma brincadeira com seu ego: “Mr Mojo Rising” é na verdade um anagrama com seu próprio nome. Jim Morrison, o rei do charme (mojo) fez da famosa capital do cinema sua casa mesmo vindo da costa leste (Flórida), lugar perfeito para se perder na psicodelia que o alcançou posteriormente . Os timbres de um carro em arrancada no começo e acordes crescentes por causa de um baixo acompanhado por todos instrumentos milimetricamente davam base para que a poesia na faixa servisse como o último grito insandecido e sincero do líder da banda antes de sua queda.

Temos também a balada sexy, “música de cocktail,” segundo seu ex-produtor Paul A. Rotchild, Love Her Madly, composta pro Krieger. A canção que realça o lado romântico e pervertido do vocalista – nunca sabemos suas intenções mais caímos em qualquer tentativa – é também a mostra de que o grupo parece muito mais à vontade para improvisar e se ver solto em sua própria produção. Been Down So Long é puro Blues: versos circulares, letras que enaltecem o lamento sem transparecer tristeza; “Well, I’ve been down so very damn long/ That it looks like up to me/Yeah, why don’t one you people/C’mon and set me free” e a típica levada do estilo são suas principais marcas. The WASP (Texas Radio And The Big Beat) é a poesia lisérgica de Jim, improvisada, solta como toda a banda e que tem no verso “”Forget the night/Live with us in forests of azure/Out here on the perimeter there are no stars/Out here we is stoned – immaculate” uma de suas maiores riquezas líricas gravadas.

No entanto, provavelmente o momento mais lembrado de todo disco seja Riders on The Storm, maravilhosa canção de sete minutos toda conduzida em uma bateria jazzística e um timbre de piano que dá leveza e melancolia aos seu clima chuvoso. A canção misteriosa, quase um filme noir – “There’s a killer on the road/ If you give this man a ride/Sweet family will die/ Killer on the road” – parece ir e vir com a naturalidade que seus acordes permitem. Pensar que a última faixa do último disco de Jim é tão macábra e ao mesmo tempo calma, serena e triste, nos faz pensar o que poderia ter acontecido se o vocalista ainda tivesse vivo. Provavelmente não estaria fazendo música, “An actor out alone”, como diz na canção, e realmente nunca poderemos saber, mas como último ato antes de sua morte, L.A. Woman é a prova viva de que o The Doors estava muito além de suas polêmicas fora da música, pois este álbum serve de inspiração para futuros roqueiros com os pés no Blues até hoje.

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ARTISTA: The Doors
MARCADORES: Fora de Época

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.