Direto dos Bastidores: Music Wins em Primeira Pessoa

Festival argentino faz goleada em sua edição de estreia

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Domingo. 23 de novembro: O primeiro dia começou no bairro Recoleta, onde o festival gentilmente nos hospedou, com meu parceiro Fernando Dotta (Balaclava Records). Ainda de dia, fomos ao bairro de San Telmo, onde acontece a famosa feirinha aos domingos onde se vende de tudo. Eu, particularmente, gosto muito dos pôsteres antigos e também dos incensos argentinos gigantes. De lá, partimos para a primeira noite do Music Wins Festival.

Da Recoleta até o local do show, de táxi, deu menos de 20 minutos e o táximetro marcou 77 pesos, o equivalente a 27 reais. O táxi na Argentina costuma ser bem barato, já o resto nem tanto. Chegando ao Mandarine Park, local escolhido para acontecer o Festival, a primeira impressão foi a melhor possível. Nossos nomes estavam na lista do Festival, pegamos nossas credenciais e adentramos ao espaço. Tudo parecia estar muito bem organizado, havia muita gente – calculo que cerca de sete mil pessoas no primeiro dia. Havia trucks de comida, café, hamburguesas de carne argentina (delícia!). As pessoas tinham que comprar tokens e eles serviam tanto para comer, quanto para beber e, se sobrasse algo, ainda podiam trocar e recuperar metade do dinheiro. Cada token custava 20 pesos, e cada cerveja custava 40 pesos, logo, dois para uma cerveja. Acredito que esse formato facilita e otimiza muito a circulação do público.

O primeiro show que vimos foi da banda argentina Morbo y Mambo – bem dançante, buena onda. Um belo naipe de metais e uma mistura interessante de ritmos latinos que alegrava e levantava a platéia, preparando o clima para o show de Metronomy, que viria na seqüência. O som deles não me agrada muito, mas o público gosta e, em certo momento, até achei legal a voz do cantor baixista com um belo black power, cortado no maior estilo, e que debulhava o seu baixo com mais estilo ainda, e um certo suíngue. O show foi bem “Ok”, A iluminação era perfeita e as pessoas todas presentes estavam gostando e dançando todas as músicas, entoando os hits, estava bem bonito. Quando o show acabou, nós já estávamos bem cansados e fomos para a área de convivência do Festival, buscar o que fazer, beber ou comer algo. Depois, fomos ver um pedaço do show de Floating Points e partimos para o hotel. O melhor dia seria o seguinte, a segunda, e os caras do Real Estate iam chegar do Chile cedo, por volta das 11h. Nós estávamos bem cansados e deveríamos estar a postos para recepcioná-los na manhã seguinte. Era melhor recolher o time.

Music Wins

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Segunda. 24 de novembro: Era feriado na Argentina e, diferente do domingo, o dia começou com uma leve chuva. Da janela do quarto, não parecia assustar, mas as nuvens só foram dissipar-se por volta das 17h, quando o Festival já havia começado e os shows também.

Descemos para o hall do hotel e encontramos com os caras do Real Estate, que acabavam de chegar de 02 shows em Santiago, Chile – isso depois de terem tocado no Brasil, dias 20 e 21 de novembro. Nos confraternizamos rapidamente e adentramos na van do festival, rumo ao Music Wins. Chegando ao Mandarine Park, nós fomos direto para o backstage internacional, ou, como os argentinos chamam, los Camarines, e já aprovamos o modus operandi do Festival. O local era um salão imenso, com portas de vidro de correr que davam vista para o Rio La Plata – que divide a Argentina e o Uruguai. Nele, tinha um cattering para os artistas e suas equipes, também tinham aparelhos para entretenimento dos artistas, como tênis de mesa, pebolim, sinuca e fliperama, além de mesas e cadeiras espalhadas para as pessoas que trabalhavam, artistas e bandas se acomodarem para degustar o menu do buffet. Já almoçados, deixamos as coisas no camarim e partimos para o palco onde eles iriam se apresentar – eram dois, do mesmo tamanho e estrutura, lado a lado.

Era por volta das 15h30, horário local, quando Real Estate subiu ao palco para apresentar, pela primeira vez em solo argentino, as principais canções do aclamado álbum Atlas e sucessos antigos, como It’s Real, Easy e Green Aisles. O show foi perfeito, redondinho, o público cantava todas as músicas e prestava bastante atenção, e foi bem nessa hora que o sol resolveu dar as caras pela primeira vez no dia e se abrir de vez, espantando a receosa chuva para longe.

Music Wins

Music Wins

Na sequência, no palco ao lado, surgiram os malucos australianos POND. A banda é avassaladora no palco, com uma performance energizada por uma Psicodelia noise sem tamanho, parece uma avalanche sonora de efeitos e lisergia. Apesar do público argentino parecer não conhecer bem a banda, todas as músicas foram bem recebidas e o show foi bola dentro do começo ao fim, uma verdadeira demonstração de como deve ser um show de Rock num festival. Ainda fazia sol quando um dos músicos da banda sueca Kings Of Convenience subiu ao palco, com seu projeto solo paralelo Erlend Øye and The Rainbows. O show não empolgava tanto quanto o artista achava. Apesar da boa banda, foi chato. Cabia melhor num teatro, não num festival, muito menos ao ar livre.

As coisas voltaram a melhorar quando ele se despediu da plateia e deixou o palco, com o Sol começando a querer se pôr. No seu lugar, surgiram os animados Beach Fossils. E sim, o Rock e as guitarras barulhentas voltaram a ecoar. O show foi agitado do começo ao fim, levantando a galera argentina com músicas viscerais, de forte apelo noise, e no melhor estilo novaiorquino. Formado por Dustin Payseur, Tommy Gardner, Jack Doyle Smith and Tommy Davidson, o grupo apresentou canções de seus dois álbuns Beach Fossils (2010) e Clash the Truth (2013). Antes do final do show deles, voltei para o camarim e fui jantar. Foi nesse momento que perdi um dos melhores shows do Festival, segundo muitas pessoas me relataram: Juana Molina, representante da melhor safra do Rock argentino levantou seus hermanos apresentando um show que percorreu toda a sua carreira.

Já era noite quando o francês Yann Tiersen começou a apresentar o seu show lúdico, com um certo tom bucólico, ideal para trilha sonora de cinema. Aliás, é dele a trilha do filme francês O Fabuloso Destino de Amélie Pouilan. Foi uma apresentação correta, as músicas não me empolgaram muito ao vivo e, nesse momento, tenho que confessar já estava mais preocupado com o show que viria logo depois.

Eram cerca de 21 horas, quando os escoceses do grupo Mogwai subiram ao palco Wins Stage para apresentar o show do novo álbum, Rave Tapes. No fundo do palco, no telão de led, estava a capa do disco, com aquele olho gigante fitando a platéia durante todo o show. A apresentação deles foi uma das melhores do festival, com a banda passeando por toda sua carreira e apresentando somente os clássicos para a platéia silenciosa e atenta, mas que aplaudia efusivamente ao final de cada canção executada. Assisti ao show bem da frente, a cerca de dez metros do palco, e dava para sentir os graves com bastante força no peito. Foi um show emocionante, sutil, minimalista e avassalador. Uma viagem sonora do começo ao fim, a trilha perfeita para o que viria a seguir.

Quando Tame Impala subiu no Music Stage, a platéia estava quente e pronta para cantar em coro de estádio de futebol todas, sim, todas as canções da banda. Assisti ao show de cima do palco e pude constatar as várias caras de felicidade estampadas na multidão. O show foi nitroglicerina pura do começo ao fim, a psicodelia australiana tomou conta do lugar e explodiu o Mandarine Park. Infelizmente, as fotos que tirei não correspondem ao quão grande e memorável foi o show, pois o roadie (que vestia um vistoso avental de médico) nos proibia de tirar fotos de cima do palco para não mostrar o “segredo” da banda, o famoso programinha Ableton, que faz as bases psicodélicas do disco todas ao vivo e faz do show da banda a cópia perfeita da gravação apresentada no álbum. Fora isso, os caras tocam muito – o baterista, o que é aquilo? Destrói o set do começo ao fim do show. A platéia emocionava a banda, cantando todas as músicas a plenos pulmões e até mesmo os riffs eram entoados em coro. Dava para sentir a emoção dos músicos diante daquela platéia ensandecida.

O “menino” Kevin Parker já pode ser considerado um geniozinho do Rock atual, comandando seu Tame Impala com extrema maestria seja em disco, seja ao vivo. Aliás, ao vivo eles se superam em alguns momentos, como pudemos perceber quando entoaram as já clássicas Elephant, Mind Mischief e Why Won’t They Talk To Me – uma das minhas preferidas – e o público no Mandarine Park cantou junto, em coro uníssono magistral. Quando eles dedilharam os primeiros acordes de Feels Like We Only Go Backwards, o palco do Music Stage e o público pareciam derreter. Era a viagem mais bonita ver a banda sendo ovacionada por uma música tão viajante, parecia que todos estavam flutuando nos acordes e viajando sem sair do lugar. A sucessão de hits psicodélicos da banda aparentava não ter fim, parecia que o público argentino conhecia ao pé da letra cada canção todas eram recebidas com festa pela audiência. Vieram então Be Above It, Half Full Glass Of Wine, Solitude Is Bliss e Enders Toi e o clima era de um grande baile psicodélico. Ficou claro que, para Tame Impala, tocar na Argentina era como estar jogando uma partida de futebol e vencendo de 7 a 1, com o público ovacionando os jogadores – digo, os músicos – a todo instante. Uma experiência sem dimensão, entrou de vez na lista dos melhores shows que vi na vida até agora. Nada, absolutamente nada, se compara ao que foi aquela apresentação.

Quando acabou o show, a festa começou no camarim, onde todos os artistas estavam reunidos, confraternizando com os produtores do festival e com a equipe que trabalhou no festival o sucesso dos dois dias de evento. Estavam lá o pessoal das bandas Tame Impala, Real Estate, Pond, Beach Fossils, Yann Tiersen, Mogwai, Metronomy, Astro, Juana Molina entre tantos outros. E nós estávamos lá também, no meio daquela felicidade contagiante, comemorando até as 4h30 da madrugada junto com todos, artistas e produtores o grande sucesso dessa primeira edição.

Music Wins Music Wins

Os números falam por si só, público médio de 7.000 pessoas no primeiro dia e 12.000 no segundo dia, cerca de 70 pessoas trabalhando no staff interno do Festival e público de diversos países latinos, como Brasil, Uruguai, Chile, Equador, Bolivia, Colombia, Peru, Paraguai entre outros. A Argentina e Buenos Aires agora tem um festival Indie de peso. O Music Wins estreoou com extremo sucesso. A música ganhou. E foi de goleada!

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Autor:

Produtor artístico e booker com 20 anos de carreira no Mercado Musical brasileiro. Atualmente, dedica-se a promover shows internacionais no País e a produzir bandas.