Pixies Na Estrada Para os Anos 90

Segundo disco da banda americana faz 25 anos e reforça conexão com o som de Seattle

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Você sabe, existiram os anos 1990. Quando você volta sua mente para aquele tempo, cerca de 25 anos atrás, o que você vê? A Guerra do Golfo? A queda do Muro de Berlim? Bono Vox ou Axl Rose em algum estádio? Seja o que for, provavelmente você não vê Pixies ensaiando num cafofo obscuro da sua Boston natal. E nem você, nem os quatro sujeitos que formaram a banda, imaginam o quanto aquelas sessões num porão nojento qualquer seriam decisivas para forjar o som relevante dos dez anos daquele porvir.

É injusto, antes de mais nada, dar o crédito total a Pixies pela sonoridade noventista. Sabemos que havia muito sendo feito, tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra, que se aventurava no segundo verão do amor e brincava com a possibilidade de fazer novos-velhos sons com guitarras, eletrônicos e ecstasy nas caixolas. Do lado americano do Atlântico, a onda era outra e havia algumas frentes de batalha abertas, todas tendo em comum um inimigo: o show business e o andamento das coisas na indústria musical. Todas aquelas bandas enfrentavam uma situação em que alguns artistas desfrutavam de condições muito privilegiadas, impedindo o acesso de outros e, consequentemente, a mudança de alguns parâmetros. Na verdade, a indústria musical como havia, provou ser um mal necessário, havia alguns itens benéficos em sua existência (e sobre os quais falaremos em outras oportunidades) mas a presença de megapopstars planetários como Madonna, U2, Phil Collins e George Michael significava um emperramento dos mecanismos de renovação. Não estamos discutindo a qualidade destes artistas, mas a falta de chance de outros temas, assuntos, sonoridades e ideias chegarem a uma quantidade maior de pessoas. E é nessa questão que entrava o que se chamou de Rock Alternativo.

Com variantes em Estados Unidos e Grã-Bretanha, ele começou a dar os primeiros passos sem qualquer rótulo ou forma previamente acertada, lá no fim dos anos 1970. A origem era a mesma do Rock: a falta de uma música que contemplasse as questões da juventude e dos desajustados em geral, motivos maiores para o surgimento daquelas canções mulatas lá na década de 1950, que desencadearam todos os processos seguintes. O fato é que os anos 1980 tiveram várias faces além das paradas de sucesso e podemos dizer que, para cada clipe superproduzido de um artista de ponta, havia alguma contrapartida no subterrâneo, visando equilibrar o jogo. Podemos dizer que, entre os atores que empreendiam essa tentativa de mudança, R.E.M., Sonic Youth e Pixies eram os mais consistentes na região da Costa Leste dos Estados Unidos, sendo responsáveis por grandes feitos. Se o quarteto de Athens, Georgia e a banda novaiorquina já estavam em atividade desde o início da década, Pixies se formou na segunda metade, mais precisamente em 1986, a partir do encontro entre Charles Thompson e Joey Santiago. Thompson, que seria mais conhecido como Black Francis, acabara de voltar para Boston, após idas e vindas durante os estudos e uma temporada de seis meses em Porto Rico. Vinha com a ideia de formar uma banda. Após recrutar Kim Deal para o baixo, a partir de um anúncio no qual pedia um músico que gostasse tanto do trio Folk sessentista [Peter, Paul And Mary], quanto dos punks contemporâneos Husker Dü. Kim sugeriu o baterista David Lovering e a banda fechou sua formação clássica.

Pixies não conheceu o sucesso até pensar em gravar seu segundo disco, Doolittle, em 1988/89. Sua estreia, Surfer Rosa, foi saudada com entusiasmo pela crítica local e deu estímulo a uma cena que já contava com gente boa do porte de Throwing Muses, Lemonheads, Buffalo Tom e Dinossaur Jr. Fosse em vinil, com a marca do prestigioso selo 4AD ou em fitas cassete contrabandeadas no mercado subterrâneo da cidade, Pixies teve sua fama correndo o país. O que mais importava, além da dinâmica sonora de intercalar silêncio e caos sonoro em melodias com inegável acento Pop era a atitude absolutamente desprovida de mecanismos visuais falsos, ou seja, você ia a um show da banda para ver gente no palco igual a quem estava na plateia. Apesar do Rock ser sobre conquistar o mundo e aspirar a divindade absoluta, naquele momento era mais importante ser um da multidão e Black Francis, gordoidão e careca, com suas letras surreais e guitarra estridente, era a personificação do “se eu consigo, mano, você também consegue”. Esta noção de igualdade fez muito efeito do outro lado do país, na fria cidade de Seattle.

Kurt Cobain era um moleque revoltado e amargurado, que encontrava na música uma saída para seu inferno classe média particular. Ao longo de sua adolescência em Seattle, Cobain foi de The Beatles ao Punk com facilidade e desapego. Quando pousou seus ouvidos inquietos nas primeiras composições de Pixies, teve certeza que podia chegar em algum lugar além das paredes do quarto ou dos muros da escola. É possível encontrar quase todo o DNA das canções de Nirvana numa composição da safra Surfer Rosa de Pixies: Bone Machine. Ali esta encapsulada toda a receita que seria responsável pelo lado Pop do que se entendeu por Grunge. Havia em Seattle uma grande quantidade de bandas que praticavam sonoridades que vinham das formações inglesas de Hard Rock e Heavy Metal da década de 1970. Além disso, havia apreço por bandas Punk americanas como Black Flag, Replacements e Dead Kennedys, algo que dava certa dinâmica às canções. Nenhum grupo da Cidade Chuvosa teria este grande trunfo do apelo Pop, algo que Nirvana tinha de forma inegável. Assim como Pixies.

O maior sucesso da carreira de Black Francis e seus amigos viria no segundo álbum, o maravilhoso Doolittle, lançado em 1989. Com a produção do inglês Gil Norton (substituindo Steve Albini, que, imaginem, produziria o terceiro disco de que banda de Seattle?) e imersão ainda maior na dualidade barulho x melodia, o álbum já iniciava com um pequeno clássico desta estética: Debaser. As guitarras de Francis e Santiago exibem tonalidades inegavelmente amigáveis e sessentistas, amarrando um pequeno paraíso de melodia gritada e bateria pipocante e baixo engordado em granja. Os vocais estão a meio caminho entre a sanidade e a loucura de quem acha que ganhou na Megasena. Era possível – Pixies provava numa lousa musical – ter atitude, ser independente, ser igual ao público e gostar disso, tudo ao mesmo tempo, sem forçar a barra. Claro, era uma fórmula musical de curta duração, mas, assim como as melhores piadas, que quase nos matam de rir, mas que não sobrevivem a uma segunda vez, Pixies não tinha tanto tempo para usar e abusar daquela estética. Outra canção, Wave Of Mutilation, também mostrava várias possibilidades dinâmicas, além de contar com os vocais mais pervertidos daqueles tempos, com Kim Deal fazendo as vezes das anti-heroínas dos filmes adolescentes e abrindo caminho como musa inspiradora de várias futuras meninas dos sonhos. Com Here Comes Your Man veio a certeza que era possível ser tudo isso e aspirar o topo de alguma parada de sucessos. Até hoje, 25 anos depois disso tudo, há gente com quarenta anos de idade capaz de pensar em largar família, carreira, segurança e planos pro futuro em busca de uma nova vida, ao longo dos 3 minutos e 22 segundos desta pequena gema. E ainda tem Hey, La La Love You, Gouge Away

O fecho do pacote está na impressionante Monkey Gone To Heaven, que mistura apocalipse e entrevista no programa de variedades matutino, final de campeonato com festa de aniversário, yin e yang, entre vários opostos aparentes possíveis. A letra é um pesadelo surreal sobre homem, Deus, diabo, esgoto de Nova York e Nova Jersey, notas, números, significados e a certeza de que tudo e nada ali está colocado por acaso ou faz algum sentido, com uma definição bem precisa no verso sensacional: “And the ground’s not cold. And if the ground’s not cold. Everything is gonna burn. We’ll all take turns, I’ll get mine too”. É insano mas uma maluquice que cheira a espírito adolescente, de tal jeito que entrou para a história como um hit do grupo, item indispensável em shows, música da vida das pessoas, ou seja, adotou toda a forma de uma canção clássica de Rock, algo que Pixies e toda sua geração combateu, explicitamente ou não.Doolittle chega aos 25 anos de idade envelhecido mas ainda relevante.

Talvez o álbum não seja reconhecido na rua como irmão mais velho de vários discos legais, Nevermind à frente, que você gosta, mas nunca é tarde para pousar os ouvidos nele. Pixies, hoje uma banda clássica de Rock, resolveu facilitar a vida dos fãs, lançando Doolittle 25, uma edição tripla do álbum, com suas faixas originais remasterizadas, mais dois CD’s de puro deleite para os caçadores de bônus tracks e os detetivões de plantão. São sobras de estúdio, gravações ao vivo para programas de rádio, entre eles o clássico Peel Sessions e mais uma série de registros alternativos da época, dando a possibilidade de você se sentir naquela Boston de fim de década, trocando fitas cassete no pátio da escola. Ou em Seattle, pensando em montar uma banda com os seus amigos malucos. Seja qual for a sua viagem, esta é uma opção que traz diversão garantida e, veja, mesmo com a urgência de outros tempos, hoje é parte inegável da história do século 20.

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ARTISTA: Pixies
MARCADORES: Aniversário

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.