Public Service Broadcasting: Transmissão Instantânea Para As Massas

Dupla britânica lança seu segundo e aguardado álbum imersa no retrofuturismo

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Você deve ter visto aquele filme O Discurso Do Rei, certo? A primeira sequência mostra o então Príncipe Albert (vivido por Colin Firth) se preparando para discursar no velho estádio de Wembley. Enquanto o monarca – que é gago – sente enxames de borbotelas no estômago, profissionais da British Broadcasting Company, conhecida mundialmente como BBC, calibram os equipamentos que vão transmitir o discurso do futuro Rei para todo o Império Britânico, que abarcava na época, fim dos anos 1920, lugares como Índia, Austrália, Canadá e Jamaica, entre muitos outros. A BBC é um símbolo da Grã-Bretanha, tão importante quanto a própria monarquia, se levarmos em conta o período do século 20 em diante.

Ao longo de sua história, a televisão estatal britânica atuou de várias formas, mantendo-se sempre com um nível elevadíssimo na programação e na qualidade de suas transmissões, que serviram muito ao Império em períodos difíceis, sobretudo na Segunda Guerra Mundial. Com o tempo, a BBC passou a criar pequenas peças de informação, chamadas, na Inglaterra, “public information films”, com o caráter de levar informações importantes aos espectadores, algo semelhante à programação das emissoras de rádio educativas. Essa ação constituiu importante base de transmissão de conhecimento, sobretudo para um país que chegaria à metade dos anos 1940 completamente destruído.

Tudo muito bom, tudo muito bem, mas, onde entra o duo londrino Public Service Broadcasting nisso tudo? Simples. A música que J.Willgoose, Esq(guitarras, banjo, samples e cordas em geral) e Wrigglesworth (bateria, teclados e arsenal eletrônico) fazem é calcada na utilização destas peças de propaganda como pano de fundo e posterior modificação delas com efeitos provenientes dos instrumentos. É uma espécie de música eletrônica publicitária e orgânica, mas livre de possíveis conotações negativas que estes termos podem receber às vezes. Seja lá o que for, o resultado atinge níveis inesperados de brilhantismo. Willgoose, Esq e Wrigglesworth são da geração de jovens ingleses que viveu o nascimento do Britpop. O primeiro, em Londres, o segundo, em Leeds. Depois encontraram-se na capital nos anos 2000 e levaram adiante o inusitado projeto de misturar som tocado ao vivo com amostras dos textos dos antigos filmes, que Willgoose pesquisava nos arquivos da BBC 4.

Uma das primeiras composições foi London Can’t Take It, cujo título reproduz o do pequeno filme de 1940, utilizado como peça de propaganda anti-nazista, explorando as demonstrações de resistência dos habitantes da cidade no período conhecido como Blitzkrieg, ou “Guerra Relâmpago”, uma estratégia utilizada por Hitler para conquistar países europeus. Havia funcionado na Polônia, na Bélgica, na Holanda e na França. Por que não com a Inglaterra? Pois bem, o duo opera milagre sobre a proposta inicial da projeção e adota, segundo o próprio Willgoose, Esq, “repetindo o passado com a missão de informar e plantar um novo futuro”. Deixando de lado o mis-en-scéne, o que a dupla propõe com sua música é um retrofuturismo adorável, com a interessante sensação de visitarmos uma esposição interativa num episódio do saudoso desenho The Jetsons. A tendência contemporânea e neoliberal de não fazer planos para o futuro levou a humanidade a viver uma eterna semana de cinco dias, como se o homem fosse um hamster numa esteira. A simples imagem do futuro não é distante, é projetada numa tela de Iphone, a ser lançado na semana que vem. Portanto, pensar no futuro de forma sonhadora e utópica tornou-se uma ação datada, mas daquelas que são convidativas a uma visita ou reexame.

Public Service Broadcasting se vale dessa sensação para fazer sua música, que também experimenta a ambiguidade temporal. É muito moderna e tecnológica, porém com resultado amistoso e cabível tanto nos anos 70 quanto no ano que vem. Em 2010 o duo lançou seu primeiro EP, One, que já antecipava a fórmula sonora, com destaque para New Dimensions Of Sound, com samplers de um velho anúncio televisivo de um toca-discos. A camada sonora trazida pelos integrantes é calcada no Indie Rock anglo-americano atual, com guitarras intercalando distorção e fluência, teclados ora ocultos, ora evidentes e bateria sem muita variação, temperada pelo uso de arsenais percussivos variados. O PBS tornou-se mais conhecido com o segundo EP, The War Room, que trazia como tema conceitual as peças sobre a Segunda Guerra. O próximo passo veio no lançamento do primeiro álbum, Inform – Educate – Entertain, em maio de 2013, logo levando a dupla para a confortável posição de permanecer no underground, mas já desfrutar de alguma penetração na audiência menos aplicada. O sucesso veio principalmente com dois singles: Spitfire, que falava sobre a importância da aviação militar britânica na defesa de Londres, na qual o caça Spitfire foi figura-chave; e Everest, que traz a história de expedições inglesas à montanha mais elevada do planeta.

Willgoose, Esq, Wrigglesworth e Mr.B, que reforça a dupla projetando os velhos filmes em telões durante os shows, estão com novo trabalho a caminho: The Race For Space. A ideia deles é novamente adaptar um conceito a um feixe de canções, no caso, a corrida espacial. O primeiro single, Gagarin, em homenagem ao cosmonauta soviético que entrou para a história ao ser o primeiro homem enviado ao espaço em abril de 1961, a bordo da nave Vostok I, já pode ser ouvido e antecipa um novo trabalho bastante interessante. É melhor você se preparar enquanto aguarda as cenas dos próximos capítulos desta simpática e original formação musical do velho Império Britânico.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.