Brian Wilson Na Pressão

Um dos maiores compositores Pop de todos os tempos está vivo e produtivo

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Estamos a poucos dias do lançamento de mais um álbum solo de Mr. Brian Wilson. Você, leitor, tem que celebrar. Assim como Paul McCartney, Wilson é figura-chave para o entendimento do Pop planetário do século 20, aquele que nasceu da massificação do Rock’n’Roll, um ritmo perigoso e libertário, que tanto medo causou nas “elites brancas” da época. A invenção, as melodias e, por que não, um desejo de tornar as canções pequenas peças musicais tão importantes quanto sinfonias, são fatores que credenciaram Brian e Paul para a vanguarda da produção popular nas últimas décadas. Ambos eram parte integrantes de grupos bem sucedidos, cheios de conflitos internos e que, por um motivo ou outro, ainda são referências quando o assunto é a tentativa de associação do Rock com a eternidade. Mesmo que algo dê errado no porvir, ainda haverá gente escrevendo e pensando sobre o trabalho de Brian Wilson nos séculos que temos pela frente.

Brian sempre mencionou que a música Pop deveria ter alguma coisa de ingenuidade, de frescor praticamente infantil. Ao mesmo tempo, queria que isso, de alguma forma, soasse importante e erudito o bastante para que o Rock (e o Pop) fosse respeitado. Vejam, por quase a totalidade do século passado, a música erudita foi o parâmetro de comparação com tudo o que se fez fora dela. Jazz, Blues, Samba, Rock, Soul eram estilos populares – criados por negros – que sempre estiveram fora dos grandes salões de concertos. Seu surgimento mostra absorção de um grande número de pessoas na sociedade a partir do século 20, negros de pele e negros sociais. Suas festas, celebrações, pensamentos de mundo e a alteridade em relação aos descendentes de europeus foram o combustível comum a toda manifestação musical ocorrida desde o fim do século 19. O processo só fez aumentar ao longo do século passado. Brian, um nativo de Hawthorne, California, teve nos grupos de Doo Wop e em Chuck Berry as fontes de inspiração necessárias para criar um padrão musical próprio, que emprestou à sua banda, The Beach Boys, ao longo de toda sua existência. Com o tempo, lá pra meados dos anos 1960, ele já incorporava outras noções, sobretudo o Pop produzido com padrão de eficiência total por gente como Phil Spector e composto por bambas como Carole King e seu marido, Gerry Goffin.

O processo seria interrompido em 1967, quando Brian, recluso no estúdio, dando asas à imaginação em arranjos e composições, mas traumatizado pela relação com o pai – Murry Wilson -, com os irmãos e companheiros de banda, tendo decidido não mais excursionar, teve um proverbial piripaque. O momento foi entre o sensacional álbum Pet Sounds, de 1966 e a obra-prima anunciada, Smile, que não chegou a ser concluída no ano seguinte. A partir de então, mesmo adjacente à banda, ora mais ativo, ora totalmente ausente, Brian mergulhou num período extenso de paranoia, excessos, desvarios e só foi emergir completamente disso, cheio de sequelas, em 1988, quando lançou seu primeiro álbum solo, que levava seu nome. A voz mudara com o tempo e os excessos. A fórmula musical, entretanto, permanecia intacta.

Contra todas as apostas, Brian tornou-se o único dos irmãos Wilson a permanecer vivo. Em meados dos anos 1960, talvez ninguém apostasse que Carl Wilson (morto em 1998 por câncer) e Dennis Wilson (afogado em 1983) viveriam menos que o doidíssimo Brian. Quando Carl faleceu, Brian já havia lançado seu terceiro álbum solo, Imagination (descontando um álbum de 1995, lançado em parceria com seu amigo e colaborador Van Dyke Parks, Orange Crate Art) e parecia pronto para um grande desafio: voltar a se apresentar ao vivo. Veio então a ideia de incorporar um elemento vital para a retomada de sua carreira, a sensacional Brian Wilson Band. Para conferir eficiência à formação, foram recrutados dois músicos meticulosos, Darian Sahanaja e Jeff Foskett, com carreiras obscuras (Sahanaja liderava a banda Wondermints até então), para que aparelhassem uma banda capaz de reproduzir ao vivo toda a excelência instrumental das criações de Wilson no estúdio. A presença de ambos e do timaço de músicos que vieram a partir de sua chegada, foi decisiva para dois lançamentos ao vivo de Brian, o álbum duplo Live At Roxy Theatre (2000) e a verão ao vivo do celebrado Pet Sounds (2002).

A partir daí, Brian voltou ao estúdio para reafirmar sua nova-velha posição de mente criativa. Num movimento audacioso ele retomou as gravações inacabadas de Smile e recriou o álbum em 2004, além de iniciar uma bem sucedida coleção de lançamentos de trabalhos inéditos, caso dos bons Gettin ‘In Over My Head (2004) e That Lucky Old Sun (2008), além de discos que deram vazão a influências seminais na percepção musical do homem. Em 2010 ele lançou o belíssimo Reimagines Gershwin e, no ano seguinte, Songs In The Key Of Disney, mostrando dois lados de uma moeda sonora que aponta para o refinamento do Pop americano do início do século 20, seja por via das composições elaboradas dos irmãos Ira e George Gershwin, seja por conta das criações do time de compositores dos estúdios de Walt Disney, que, igualmente refinados e americanos até os ossos, buscaram nas canções de teatro e musicais a inspiração para clássicos temas imortalizados em filmes como Branca de Neve, Cinderella e por aí vai. Em 2012, uma inesperada reunião com The Beach Boys remanescentes (Mike Love, Al Jardine, David Marks e Bruce Johnston, devidamente ancorados pela Brian Wilson Band, resultou no sentimental álbum That’s Why God Made The Radio.

Neste ano, melhor dizendo, daqui a alguns dias, Brian lança seu décimo-primeiro álbum solo, No Pier Pressure. Já foram anunciadas as presenças de ex-Beach Boys como Al Jardine e David Marks, colaboradores de longa data da banda, como Blondie Chaplin, além de gente como She & Him, Sebu (Capital Cities), entre outros. A tal fórmula mágica de canção Pop, elaborada, pensada, rica, continua presente e promete novos desdobramentos, conferindo ares de desafio, quando a questão de torná-la realmente popular em 2015 é proposta. Brian não parece se importar, segue dando a sua versão do formato, que influenciou e influencia tanta gente em tanto tempo. Temos sorte de ver um ícone desses em ação, caminhando entre nós. Estamos na espera, engraxando a prancha de surf da nossa alma.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.