Balaclava Fest: Quatro Shows, Duas Noites, Um só Espírito

Festival celebrou sonoridades da década de 1990 com nomes de peso e preços populares

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Fotos: The Shivas | Instagram: @tataleon

De tempos em tempos, algum amigo meu de fora da capital paulista vem à cidade e exclama: “São Paulo é um lugar muito louco”. Nascido e criado na selva de pedra das margens do Ipiranga, creio estar habituado à doideira frequente do que acontece pelas avenidas e arranha-céus da metrópole, mas confesso ter pensado isso algumas vezes durante a primeira edição do Balaclava Fest, nesse último fim de semana (25 e 26).

Foram duas noites que colocaram o público bem à frente de músicos excelentes, na chance de poder conhecer bandas novas (quem ainda não tinha ouvido The Soundscapes saiu de lá satisfeito), ou entender o porquê de alguns nomes serem tão bem falados há um tempo (Shed e The Shivas foram craques em conquistar fãs), além da possibilidade de testemunhar uma lenda viva do Rock Alternativo se apresentar em voz e guitarra, misturando repertório novo e clássico. Isso ali, a menos de dois metros de distância de um pessoal sentado no chão interagindo com Mac McCaughan. É, São Paulo é um lugar muito louco.

A noite de sábado foi tomada principalmente por fãs de Superchunk (lendária banda de McCaughan), que dominaram o icônico Centro Cultural São Paulo com todos os ingressos esgotados. Quando Shed começou a tocar, todas as atenções voltaram-se para o palco – inclusive, foi o show de todo o fim de semana que mais atraiu curiosos para espiar o que acontecia dentro das paredes de vidro da Sala Adoniran Barbosa.

Fundado em 1997, o grupo também atingiu um status lendário, mas o de “lenda urbana”, já que suas apresentações são raríssimas (os integrantes moram hoje em diferentes cidades pelo mundo). Não haveria melhor maneira de abrir o festival do que com um verdadeiro acontecimento desses. Na ocasião, a banda concentrou seu repertório em seu mais novo álbum, Being the Same, lançado pela Balaclava Records – organizadora do evento, que teve também apoio do Monkeybuzz.

Logo na sequência, sem muito tempo de intervalo, foi a vez de Mac McCaughan subir ao palco já acenando em resposta à ovação imediata. De guitarra em punho, ele abriu a noite com San Andreas, faixa nem de seu trabalho solo, nem com Superchunk, mas sob o nome Portastatic. Na sequência, ele mandou Waterwings (do clássico Foolish) e fez a alegria de quem ouviu Superchunk desde criancinha com essa e várias outras, todas muito celebradas.

Tinha quem dançasse sentado e quem levantasse para quebrar a barreira intimista da introspecção de uma apresentação solo. A própria figura de McCaughan parece chamar o ouvinte ao envolvimento – ele se mexe até onde o limite do alcance do microfone permite e brinca com a guitarra livremente, consciente de como seu talento prende a atenção de todos. Com a mesma simpatia vista no palco, ele improvisou um bis antes de partir para cumprimentos, fotos e autógrafos. A satisfação era plena e visível tanto para público, quanto para o músico.

O segundo dia de Balaclava Fest foi saudado pelo pôr do sol mais caloroso da temporada, um bônus para quem chegou mais cedo para aproveitar a atmosfera do terraço do CCSP. A escolha do local mostrou-se muito certa por motivos que vão muito além dos logísticos (localização, preço baixo do ingresso), mas pela própria conceitualização de um evento promovido pelo valor que essas bandas tem como parte de um “movimento” estético, como influenciadores e influenciados de um braço da música contemporânea pouco explorado pelo mainstream. É pra isso que serve um espaço desses.

Com menos gente do que no primeiro dia, mas com um número considerável de pessoas, o show começou com a paulistana The Soundscapes mostrando sua música propícia para o fechar dos olhos e viagens interiores. São sons que embalam o ouvinte para outros lugares e épocas, um passeio criativo que se constrói na relação entre público e banda – ao vivo, essa atmosfera é ainda melhor aproveitada do que em A Lifetime A Minute -, e o pequeno eco característico do mezanino da sala deu um charme ainda maior para essas músicas. A sensação ao final dessa e de qualquer outra das três apresentações do fim de semana era de que cada uma delas já valia, e muito, o ingresso.

Com The Shivas foi assim. No formato power trio, o grupo de Portland (EUA), que já havia passado pelo festival Abril Pro Rock (em Recife) dois dias antes, chegou sem fazer muito alarde, preparou o palco e começou a tocar de imediato. Com quinze músicas preparadas para o repertório do show em São Paulo, os três músicos tiveram momentos suficientes para mostrar seus talentos em guitarra, baixo e bateria. É interessante como toda a apresentação manteve o mesmo nível de energia e de qualidade, sem que nenhuma das faixas se sobressaísse como um “hit”, ao mesmo tempo que as músicas variavam o suficiente para a performance estar sempre longe, muito longe, da monotonia.

As inspirações em sons dos anos 1990 eram as raízes de todos os shows, fossem eles de uma energia mais direta (The Shivas), uma atmosfera expansiva (The Soundscapes) ou por uma banda de grande potência (Shed). É curioso como McCaughan, que influenciou todo esse pessoal, fez a apresentação mais diferente de todo o Balaclava Fest, pelo formato intimista, sem deixar de estar perfeitamente alinhado ao todo. Foi dessas loucuras que São Paulo tem, de dar a vinte reais uma noite que reúne nomes de respeito em performances inesquecíveis. Em bom paulistanês: “Mano, foi muito louco”.

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.