O Agridoce James Taylor

Veterano cantor/compositor tem carreira de bons serviços prestados

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Vejam vocês, James Taylor, provavelmente um dos artistas preferidos dos seus pais, está lançando disco novo. Depois de um bom tempo sem gravar material de própria autoria, o jovem senhor de 67 anos está com Before This World chegando nas prateleiras físicas e virtuais do mundo. Ainda me pergunto, sempre que vejo Taylor em ação, o motivo dele não ser considerado como um dos heróis do Folk e o principal arquiteto de uma sonoridade importantíssima para a música popular planetária, o Bittersweet. Pelo menos aqui no Brasil. Lá fora, o sujeito segue uma rotina de encher teatros e ginásios por onde vai e segue como um dos mais bem sucedidos artistas em atividade. Podemos dizer, inclusive, que a obra de Taylor serviu como parâmetro para outro termo que ouvimos bastante por aí: “Singer/Songwriter” – aquela figura que chega, senta num banquinho, empunha o violão e parece cantar sobre a vida dos espectadores, como se estivesse em suas mentes, sentindo o que eles sentem. Não sei quanto a vocês, mas acredito piamente que o ser humano, por mais apressado e vinculado à tecnologia, precisa desses momentos de desaceleração. Ouvir um disco de James Taylor é um bom meio de fazer isso.

James passou 13 anos sem gravar nada autoral. Seu último álbum com composições próprias foi o belo October Road, fato que não o impediu de estar em evidência ao longo deste tempo. Lançou dois discos com covers (algo que ele sempre soube fazer muito bem), um álbum com canções de Natal, tradição lá no outro hemisfério do planeta e um registro ao vivo, sem falar na constante presença em shows e festivais. Seu jeito tranquilo, sua voz calma e suas interpretações brandas podem enganar o ouvinte menos avisado, que vai pensar que se trata de música banal. Engano total. James tem um passado de inquietação, barras pesadíssimas, envolvimento com drogas, internação em instituições de recuperação para viciados e em sanatórios, sobretudo quando era mais jovem. Em 1968, com vinte anos incompletos e egresso de um tempo internado por depressão, ele rumaria para Londres onde se tornaria um dos primeiros contratados da Apple Records, empresa que The Beatles havia fundado para gerenciar sua carreira e que expandia sua área de atuação para o mercado das gravadoras. Seu primeiro álbum, homônimo e gravado no mesmo estúdio e ao mesmo tempo que White Album, trazia belas canções de têmpera Folk, que haviam encantado Paul McCartney, entre elas Carolina On My Mind e a belíssima Something In The Way She Moves, cujo título e primeiro verso inspiraram George Harrison a escrever sua marcante Something.

Taylor poderia continuar na Inglaterra mas retornou aos Estados Unidos por conta de problemas com drogas, ficando internado enquanto seu álbum era lançado por lá. Sua timidez e problemas emocionais, agravadas pelo vício em heroína, quase abortaram sua carreira, mas ele ressurgiria em 1969, após um bom tempo em Boston, perto de sua casa, perto da família. Vinculado imediatamente a artistas como Joni Mitchell, Neil Young, Carole King e Crosby, Stills And Nash, Taylor foi um dos grandes representantes da sonoridade confeccionada a partir das cinzas dos conflitos sociais do fim dos anos 1960. Era um momento de recolhimento, de lamber feridas. A Guerra do Vietnã continuava, os direitos civis ainda eram inacessíveis para muitos, a sociedade não avançara tanto quando se esperava. Sintomaticamente, as obras desses artistas – e outros, influenciados por estes – assimilam essas informações do planeta e se tornam mais sombrias, melancólicas e desesperançosas do futuro.

A ideia é viver sua própria vida, em paz consigo e com seus convivas, numa realidade alternativa ao tal Sonho Americano, que se provara impossível – ou inviável – numa conjuntura como aquela. Neste momento, James se destaca com um segundo álbum sensacional, ao mesmo tempo em que se torna grande amigo de Carole King, ela mesma, enveredando pelo mesmo caminho cinzento, prestes a lançar seu maior sucesso como artista solo, Tapestry. Taylor solta Sweet Baby James poucos meses antes, com participação de Carole, emplacando um hit nas paradas mundiais, a belíssima Fire And Rain. Pouco depois, viria mais um álbum, Mud Slide Slim And The Blue Horizon, que traria, entre outros, o maior sucesso da carreira do sujeito, uma versão doce e solar de You’ve Got A Friend, composta por Carole King.

A partir daí, James lançaria álbuns sistematicamente ao longo dos anos 1970, tornando-se um artista maior. Enquanto revoluções estéticas eram propostas e levadas adiante, seu estilo Folk agridoce seguia como uma espécie de farol para uma multidão crescente de fãs, uma vez que Taylor cultivou desde cedo o hábito de excursionar, livre de qualquer obrigação no ato de promover um eventual novo disco. O negócio do sujeito é a estrada, o palco, o contato com os fãs. Vieram novos sucessos autorais como Walking Man, Mexico, Shower The People, Your Smiling Face ou na forma de covers, como Handy Man, How Sweet It Is, Day Tripper, Up On The Roof, mostrando que o sujeito tinha conhecimento do assunto Pop, noção de escolha de repertório e uma tal “marca sonora”, ou seja, a capacidade de ser identificado logo nos primeiros segundos de uma canção. Mesmo assim, sua vida continuava meio atribulada. Após casar-se com Carly Simon ainda no início dos anos 1970, o relacionamento do casal não era dos melhores, fato que culiminaria no divórcio em 1983. Antes disso, em meio a várias crises conjugais, Taylor lançaria um belo disco, Dad Love His Work, em 1981, marcando uma sutil mudança em sua sonoridade, rumo ao AOR, incorporando elementos novos. Deste álbum vem uma de suas mais belas criações, Her Town Too, na qual ele expõe de maneira belíssima, as crises e os desentendimentos com Carly, muito por conta de sua permanente vida na estrada, restando pouco tempo para ficar com ela e a família.

Quando recebeu o convite para apresentar-se no primeiro Rock In Rio, em janeiro de 1985, James já enfrentava um bloqueio criativo. Os problemas conjugais o haviam afetado em cheio. A escolha para o festival deveu-se à admiração do organizador, Roberto Medina, um fã das canções setentistas de Taylor. Pela primeira vez no Brasil e diante da maior plateia de toda a sua carreira, James enfileirou seu repertório mais clássico e foi uma das maiores atrações do evento. Sua performance foi tão boa que, poucos meses depois, inspirado pela viagem e cheio de ideias novamente, ele lançou um novo álbum, That’s Why I’m Here, com direito a canção em homenagem ao Rock In Rio, a bela Only A Dream In Rio. A partir daí, Taylor se permitiu intervalos maiores entre seus álbuns, além de manter viva a tradição de gravar covers interessantes sempre que possível, de gente como Burt Bacharach, Sam Cooke, Buddy Holly, entre tantos outros. Entre 1981 e 2002, James gravou cinco álbuns de canções inéditas, além de um registro ao vivo, e um celebratório álbum com Carole King, Live At Troubadour, lançado em 2010, em homenagem aos 40 anos da amizade dos dois. Indicar com que palavras?

Agora, treze anos depois, James Taylor ressurge de uma rara pausa na carreira, especialmente para ficar próximo de seus filhos gêmeos, Rufus e Henry, de seu terceiro casamento, com Kim Taylor. Pronto para cair na estrada novamente, ele já tem um concerto marcado para o dia 6 de agosto, no Fenway Park, em Boston, casa do Red Sox, time de baseball pelo qual torce e que foi homenageado na simpática Angels Of Fenway. Desse jeito, falando sobre esporte, amizade, estrada, coração, juventude e fé, James Taylor segue lançando discos e pulando de cidade em cidade. O tempo moldou sua sonoridade, trouxe novos elementos ao Folk de origem, e, claro, um monte de cicatrizes internas. Ele não se exime de compartilhá-las com quem vai aos show ou simplesmente ouve suas canções. Arrisco dizer que é um tipo raro de artista, que pautava sua trajetória na base do “made to last”, ou seja, daqueles que entendiam que uma carreira longa é sinônimo de virtude. Provavelmente é. Não se engane: James é artista de primeira grandeza, dono de carisma irresistível. Mais um da categoria dos gigantes gentis.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.