Você pode não acreditar, mas houve um tempo em que não era absolutamente natural misturar Eletrônica com Rock. É, isso mesmo. Linguagens diferentes, lógicas distintas, abordagens que não se casavam, a música sintética surgiu como algo experimental, bem próximo da música erudita, enquanto o Rock, sabemos bem, foi uma explosão espontânea lá no fim dos anos 1950, visando sonorizar a juventude e seu comportamento nascente, próprios de um mundo em que não haveria a necessidade de jovens imitarem os gostos de seus pais, logo, a necessidade de prover essa gente de alimento para alma era premente e inevitável. Pois bem, o Rock foi levado para passear ao longo dos anos 1960 em diferentes paisagens, mas sua marca registrada – a inovação – o levou como matéria-prima de qualquer nova abordagem que se pretendesse moderna e desconectada com qualquer comodismo.
A Eletrônica começou a chegar ao terreno da música popular em meados dos anos 1960 e incorporou-se naturalmente nos anos seguintes. Surgiu como um facilitador para gente como The Beatles e The Beach Boys, que elevavam suas criações a novos níveis, forneceu alternativas para bandas que engatinhavam no que chamaríamos mais tarde de Rock Progressivo e demorou bastante tempo para que David Bowie e Kraftwerk a formatassem de modo a se tornar algo intrínseco à produção musical. De fato, nos anos 1980 é que as sonoridades sintéticas foram absorvidas com naturalidade nas gravações – das mais banais às mais complexas – através do uso de instrumentos como teclados, sintetizadores e artefatos mil, que foram surgindo em grande número a partir daquela década. Neste momento particular do tempo, surgiu New Order, como já sabemos pelos dois artigos especiais publicados recentemente no Monkeybuzz, dando conta da importância da banda inglesa e listando suas [quinze canções mais marcantes](http://wordpress-214585-650819.cloudwaysapps.com//artigos/16400/new-order-em-quinze-cancoes/] na carreira.
O grupo não teria surgido se não fosse pelos recentes flertes que Joy Division, a origem de New Order, vinha empreendendo com a música produzida por Bowie e as bandas alemãs de Krautrock, Kraftwerk à frente. De alguma forma interessante, a sonoridade obtida foi a mais eletrônica e marcante daquele período, misturando relevância artística, discrição e uma aura independente que possibilitou experimentações em níveis mais elevados que outros artistas contemporâneos, contratados por gravadoras maiores. A partir das fileiras informais da Factory, New Order pode dar vazão à criatividade, explorando as leituras de música eletrônica que vinham surgindo nos Estados Unidos, a partir do nascente Hip Hop, passando ao longo da década por misturas variadas, chegando na confluência dançante da House Music, a partir de 1987 e da cultura Dance que vinha do balneário espanhol de Ibiza, cujas boates eram comandadas por DJs ingleses, muitos deles conhecidos da banda e com passagem pelo Hacienda, clube/boate de Manchester, no qual os integrantes da banda comandavam as ações. Tudo estava interligado, portanto.
A influência desse movimento da banda na criação de uma marca registrada sonora rendeu frutos nos subterrâneos já na virada para a década de 1990, quando gente como The Chemical Brothers, Fatboy Slim, Underworld, Moby, Nine Inche Nails e a maioria dos artistas que militariam no terreno da música Eletrônica ao longo da década, passaram pelo modelo proposto por New Order. A encruzilhada, no entanto, não era tão simples, uma vez que o quarteto de Manchester não se valia apenas de bits e bytes em sua música, detendo um grande manancial de influências Pós-Punk e de Rock Independente britânico, fontes inspiradoras de artistas como Marilyn Manson e Smashing Pumpkins, por exemplo, além de alguns importantes integrantes do Britpop, principalmente Suede. Dá para apostar que a guinada estética empreendida por U2 em discos como Zooropa e Pop podem ter alguma inspiração na abordagem de New Order, sobretudo no início de sua carreira. Seria nos anos 2000, no entanto, que a influência do quarteto seria mais notada e incorporada em terrenos mais distantes da música dançante underground ou do Rock independente.
Bandas e artistas como Skrillex, The Killers, Hot Chip, [OK Go](), LCD Soundsystem, The Rapture, Cut Copy e mesmo gente aparentemente mais distante em termos estéticos, como Rihanna e Akon, além dos noruegueses de Röyksopp, podem ser apontados como artistas influenciados pela estética do grupo de Manchester, seja no culto a versões estendidas, remixadas, alternativas, seja na capacidade de misturar sonoridades sintéticas com instrumentos mais convencionais e ter em mente que a pista de dança pode se configurar como um teatro de operações mentais indispensável para que a própria arte que eles produzem faça algum tipo de sentido, tendo em mente que não se trata apenas de produzir uma sequência aleatória de batidas, mas entender que é necessário manter a harmonia e a estrutura com aquela habilidade de coordenar melodia, refrão e conferir potencial Pop à canção que, sim, é dançável, mas igualmente “cantável”, em se tratando das criações da banda.
Estamos a poucos dias do lançamento do próximo capítulo da trajetória de New Order. O que será que eles aprontaram no vindouro disco Music Complete ? Canções mais dançantes como nos anos 1980? Melodias marcantes como as presentes em álbuns como Low Life e Power, Corruption And Lies? Ou alguma mutação guitarrística como a proposta no início dos anos 2000, com o lançamento de Get Ready? Manterão a marca registrada ou ousarão em novíssimas visões musicais? Só podemos nos preparar para o melhor, com grandes chances de acerto.