Rock Progressivo Constante

Bandas como Tame Impala ajudam a perpetuar estilo cuja marca registrada é a busca pela novidade

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Existe Rock Progressivo hoje? Você, leitor/leitora/x, conhece alguma banda ou artista que milite nesta controversa seara do estilo mais importante da música do século passado? Bandas como The Mars Volta, Radiohead, Porcupine Tree, apenas para nos restringirmos aos nomes mais acessíveis e nada subterrâneos da produção musical recente, são praticantes da tal variação progressiva do Rock? Você sabe o motivo deste termo? Você tem algum preconceito em relação a esta vertente? Essa tonelada da perguntas se justifica, uma vez que a maioria das bandas em atividade hoje – e desde o início dos anos 00 – são conhecidas por produzirem uma sonoridade derivada do que The Strokes e The White Stripes propuseram há cerca de 15 anos, ou seja, uma forma enxuta de música, rítmica e herdeira da encruzilhada New Wave/Pós-Punk, no caso da primeira e oriunda da tradição do Blues/Hard Rock, no caso da segunda, ainda que devidamente submetida a um enxugamento estético, digamos. De qualquer maneira, o que ouvimos hoje é consequência disso. Correndo por fora, vem uma outra vertente, eletrônica, psicodélica, colorida, que pode ser representada por gente como Tame Impala, M83 e Panda Bear, por aí. Isso sem contar medalhões de estádio, tipo Muse ou Coldplay. E aí? Ao menos o significado do Rock Progressivo permanece vivo?

Escrever sobre música ao longo dos últimos 18 anos me deu alguma perspectiva sobre o assunto. Já fui muito conservador e percebi que tal atitude era, em essência, antirrock. O Rock é novidade, é abalo de estruturas, é juventude mas, acima de tudo, é objeto de um contexto histórico definido, no caso, o período do pós-guerra nos Estados Unidos, onde uma produção cultural alternativa, negra e “imoral” surgiu como força motriz de uma sociedade que aprendia a se enxergar de forma diferente. Esse produto, o próprio Rock, foi ressignificado, modificado e apropriado inúmeras vezes, desde seu surgimento até ontem, hoje ou amanhã. Por vezes esse processo foi “bom”, noutras, ele foi “mau”, porém, o fato é que não dá pra esperar que existam bandas realmente importantes em 2015 que o sejam por recriar condições estéticas do Rock em sua origem. Claro, há bandas e artistas assim, mas não medida para entendermos o que acontece na cena musical de hoje.

O que precisamos buscar é a proporcionalidade. Quando surgiu em 1967/68, Rock Progressivo era uma espécie de primo-irmão do Rock Psicodélico, ambos dentro da chamada “tomada de consciência” do estilo. Lembrem, o Rock surgiu como música para transar, para fazer safadezas, apenas para dar vazão à energia sexual reprimida de meninos e meninas num mundo anglo-americano caretíssimo. Aos poucos houve a chegada de novos conceitos, novas ideias, seja na conscientização trazida pelo Folk de Bob Dylan, influenciando The Beatles e The Rolling Stones, seja no avanço de técnicas de estúdio promovido por Brian Wilson e The Beach Boys. Ao mesmo tempo, fruto da mesma expansão de consciência, vieram a assimilação do uso de drogas como meios de otimização da mente, as ideias de liberdade e igualdade entre as pessoas, a política, o misticismo, tudo ao mesmo tempo. No caso do Progressivo, a erudição instrumental, a literatura fantástica, a ficção científica, tudo era um grande pacote de informações, incorporado ao ideário do Rock. E por gente muito jovem, cabelo ao vento, na parede da memória.

O fato é que o “Progressivo” incorporado ao estilo significou “avanço”, “olhar pra frente”, “novidade”. Gente como Pink Floyd, Genesis, Emerson, Lake And Palmer, Yes, Soft Machine, a lista é enorme. Bandas formadas por caras com cerca de 20 anos, virtuosos, ávidos por aparecer, loucos para dar ao Rock um aspecto mais relevante, exigindo respeito das plateias europeias caretas, daquela herança clássica-erudita esnobe, o Rock, como um espinhudo garoto maroto, pedia pra ser respeitado e adicionava ao seu kit sexual uma boa dose de roupas, brilho, conceitos e mirabolâncias. Com o tempo, ao longo dos anos 1970, como a maioria dos artistas roqueiros, os portadores do Progressivo modificaram-se. As ideias ficaram mais fantásticas, os conceitos mais malucos, os egos afloraram, pouco de Rock, no sentido revolucionário, contestador, jovem permaneceu ali, migrando para adjacências estéticas presentes na teatralidade Art Rock de Roxy Music e David Bowie, que iniciaria um flerte sério com a música Eletrônica pouco depois. Também iria dar as caras no Punk Rock, mais cru e caótico que tudo visto até então, esvaziando o Progressivo de significado, tornando-o velho, caricato e sem sentido. Ou não.

Do fim dos anos 1960 para cá, sempre existiu Rock Progressivo, ou melhor, sempre existiu seu conceito de mudança e evolução, muitas vezes confundido com complicação e taxado de desnecessário. A verdade é que o estilo demanda tempo e atenção para ser totalmente compreendido, virtudes pouco disponíveis na nossa modernidade de século 21. É mais adequado um bate-estaca eletroestéril nas paradas Pop e um Rock esquelético nas listas alternativas do que alguém defendendo uma canção de dez minutos, com passagens instrumentais complexas e gente que preza ser virtuoso no instrumento que toca. Sim, são efeitos colaterais de uma vertente que precisou ser mais elaborada e complexa na sua viagem de querer imitar padrões estéticos velhuscos, de séculos atrás, errando e acertando o alvo.

Em 2015, assim como qualquer outra variante do Rock, não dá pra esperar que bandas e artistas surjam com esta proposta, mas é possível/desejável que ouçamos gente que olha para frente, que busca o novo, que privilegia a reinvenção, dando, quem sabe, ao Rock esta contemporaneidade que muita gente não consegue enxergar e aceitar. Não significa preferir Dark Side Of The Moon, álbum de 1973, do grupo inglês Pink Floyd, a qualquer lançamento do ano que vem, mas, sim, de perceber a possibilidade de sempre existir alguém preocupado em expandir fronteiras na música, incomodando, obrigando a pensar, cada um em seu tempo, cada um do seu jeito. Talvez Rock Progressivo seja isso. Se você conhece bandas e artistas que fazem isso, fique com eles. Sempre.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.