Os Mistérios De Daughter

Novo disco do trio traz oportunidade de ouvir letras profundas e filosóficas novamente

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Como se cria expectativa sobre aquilo que é um enigma? Sendo uma das bandas que levam cada vez mais longe a noção de Ambient Music a novos campos da música, o trio Daughter é certamente um dos mistérios mais intrigantes da música da nova década. Com uma sonoridade que cedo despertou flertes saudáveis com o Post-Rock, mas logo se entrelaçou com nuances Pop extremamente melodiosas, a banda desperta a curiosidade de entusiastas da música desde que seus dois EPs foram lançados, contendo canções com letras de forte cunho poético, uma adocicada voz que carregava angústia e dor e um aveludado trabalho de produção em que o minimalismo era extremamente calculado. Mas o grande trunfo e o que torna sua identidade sonora única é o altissimo indice de epifanias por segundo que temos as escutar este Post-Rock Ambient.

Parte da experiência de escutar um trabalho de Daughter é se emocionar, mas, mais do que isso, estar submerso em um universo de intensa filosofia, existencialismo e, o que faz tudo isto ser possível, a tristeza. Desta forma, preparamos uma lista com cinco temas explorados pela banda em músicas de sua discografia para irmos nos preparando para o lançamento de Not To Disappear, um disco que cedo já nos intriga quanto ao seu tema e já nos instiga com sonoridades diferentes.

A Juventude

Talvez a música mais conhecida do trio, Youth, de seu EP e primeiro disco traz uma abordagem mais lúgubre da juventude. Por vezes retratada com uma época de sonhar e traçar planos para uma vida que está diante de você, para Daughter essa época de nossas vidas diz respeito ao nosso espírito quase que sadomasoquista de nossas escolhas. Trechos como “setting fire to our hearts for fun” e “collecting names from the lovers that went wrong” nos fazem refletir sobre o quanto esta fase é assustadora, mas, além disso, como apesar de estar sofrendo estamos gostando disto, coletando fracassos e “colecionando fotos da enchente que destruiu nossa casa”. Uma música que exalta a condição humana de sofredor e sonhador.

A Morte

Um tema eterno entre os poetas e músicos. Em Smother, Daughter não foge de um dos dilemas que mais intrigou escritores e compositores durante o curso da literatura humana. A banda encara nosso fim como uma passagem na qual encontraremos nosso criador e passaremos para outros estados de vida, como ouvimos no trecho “all my limbs can become trees”. É uma faceta bastante espiritualizada do trio, mas que de qualquer forma eles nos entregam uma belíssima faixa, preocupada em transmitir essa sensação de leveza, como se estivessemos saindo de nosso corpo. Um ótimo tema para desencarnar.

O Fim

Terminar um romance é algo que dói, inevitavelmente. Assim, o trio novamente encontra um novo jeito de observar e lidar com um tema bastante banal e presente no imaginário contemporâneo. Quem nos dirige a palavra em Landfill é a pessoa que sofre, entretanto, o eu lírico parece mais preocupado em conformar a parte que a machucou. “Throw me in the landfill, don’t think about the consequences” e “Leave me in the altar, knowing all the things you just escaped” fazem uma crítica irônica feita durante um momento em que a certeza é uma raridade, e o pesar parece o único caminho a se seguir. É certamente uma das canções de Daughter que mais nos apunhala pelas costas, no sentido de que parece ser uma declaração de amor quando na verdade é um grito melodioso em busca do esquecimento. Afiada e profunda.

O Limbo

Numbers é um ponto mais claro no mistério que circunda o novo disco da banda. Trabalhando com interessantes variações de reverb e com elementos mais dançantes, a grande temática da música é o momento em estamos tão afundados dentro de nossas amarguras que não sentimos mais nada. A constante repetição (“I feel numb in this kingdom”) e os ecos do passado (“you better make me better”), bem como a belíssima construção da parte instrumental contribuem para que, ironicamente, não sintamos nada. Como um limbo realmente é. Uma ausência de sentimentos, que provoca uma sensação de relaxamento e imersão dentro de sua personalidade.

O Mistério

Doing The Right Thing é a faixa que provoca o maior mistério sobre a temática geral de Not To Disappear. É uma canção que percorre diversos temas e cria muitas sensações. Fala-se muito em perda (especificamente da mãe do eu lírico), mas também somos direcionados a uma sensação de leveza e conexão com a natureza (“Then I’ll take my clothes off and I’ll walk around, because it’s so nice outside”). Temos uma decepção amorosa com um lamento no escuro, porém embalada em uma doce melodia com uma ambientação que reúne o que há de melhor na sonoridade de Daughter. Mesmo que não seja possível determinar com exatidão o tema da música, é interessante perceber que esta pode ser uma interessante linha a ser trabalhada no novo disco: a inexatidão dos sentimentos humanos.

É inútil fazer previsões de como o novo disco soará, mesmo porque, se o fizéssemos, estaríamos perdendo muito da experiência de se escutar Daughter. Mas podemos certeza que, se as letras continuarem profundas como sempre forem, teremos um disco certamente humano. O disco tem previsão de lançamento para 15 de janeiro com produção assinada por Nicolas Verhnes.

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ARTISTA: Daughter
MARCADORES: Aquecimento

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique