O Sensacional Pop Francês

Enquanto enfrenta empobrecimento generalizado, gênero segue firme no país

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Uma olhadela rápida para a produção musical destes primeiros anos do século 21 aponta para algo quase incontestável: o empobrecimento da música Pop. É tema espinhoso, controverso, uma vez que há defensores desta produção, porém, há que se levar em conta que as faixas de consumo se alargaram nos setores mais populares e afinaram nos estilos mais alternativos, quebrando paradigmas, trazendo novos dados e mudando o mapa de análise desta mesma produção popular de canções. Talvez o responsável seja o fim da indústria musical como a conhecíamos até o fim do século passado, talvez sejam outros fatores interagindo. É fenômeno mundial, não há como negar. Se há algo bom nisso tudo é a entrada da Internet como alternativa para conhecermos novos artistas. Se, por um lado, essa “terceirização cultural” para o âmbito virtual de uma parcela importante da produção artística musical (mas que também abarca outros âmbitos) ainda não é suficiente para substituir a estrutura oferecida por contratos junto a gravadoras multinacionais, nunca se ouviu e se fez tanta música como agora. E isso vai crescer exponencialmente ao longo do tempo. Nesta nova lógica, de alguma forma misteriosa, o Pop francês vem sendo, há um bom tempo, uma fonte inesgotável de criatividade. Se, no passado, a França se notabilizou por ter uma produção musical esparsa e com alguns nomes fortes, como Françoise Hardy, Edith Piaf, Yves Montand e o transgressor Serge Gainsburg, esse jogo parece estar mudando agora.

Se apontarmos um evento específico para esta primazia do Pop da terra de Napoleão, precisaríamos escolher entre os lançamentos de dois discos: Moon Safari, do duo Air ou Homework, de outra dupla, Daft Punk. Cada um à sua maneira, estes álbuns serviram para abraçar a música Eletrônica que era feita em fins dos anos 1990, dona de DNA revolucionário e anticomercial e detentora de grande influência de ritmos urbanos e negros. Como era uma música que não olhava para trás, apostando no presente e vislumbrando o futuro, foi preciso que as duas duplas conferissem certa dose de informação sobre referências do passado recente da música, algo que veio de forma pouco comum. Em vez de olhar para a produção dos anos 1960, de Beatles e bandas tradicionais do período, ou mesmo revisitar algum padrão do Rock de algum outro momento, os dois duos, cada um a seu jeito, pegou emprestadas informações sobre trilhas sonoras dos anos 1970, batidas de grupos de Disco Music e alguns subprodutos considerados de gosto duvidoso. O resultado revestiu seus dois álbuns de frescor, novidade e distinção em relação a praticamente tudo o que estava sendo feito na época, fundando alicerces para uma cena Pop pujante, que viria a se estabelecer em seguida, sem falar, claro, no sucesso contínuo alcançado por Air e Daft Punk, cada um no seu caminho particular.

Claro, o mercado de produção musical francesa não é fechado ao que vem de fora, sofrendo influências de várias partes do mundo, porém, estes dois álbuns possibilitaram a ampliação de uma cena eletrônica local bastante fértil, capaz de abrigar bandas com perspectivas de ultrapassar as fronteiras. Mais que isso: abriu espaço para uma nova geração de artistas antenados e interessantes, com trabalhos legais o bastante para emplacar na Inglaterra e nos Estados Unidos, porém, com a distinção alternativa e “exótica” até certo ponto, algo que vem sendo quebrado com o passar do tempo. Há casos em que estes artistas ganham fama mundial. A cantora Carla Bruni, que chegou a ser ex-primeira dama da França, já tinha uma obra interessante no terreno do Folk, foi tornar-se estrela mundial da canção francesa, honrado – e revisitando – as influências de Françoise Hardy. Tão ou mais popular que Carla, Isabelle Geffroy, mais conhecida como Zaz é o nome da vez. Com canções que orbitam o Jazz mais tradicional, a canção típica francesa e algumas modernizações interessantes, ela emplacou mundialmente a canção Je Veux, em 2010, chegando a fazer apresentações em vários países do mundo, inclusive aqui, levando adiante uma carreira sólida, que já conta com três álbuns lançados desde então.

No terreno da música eletrônica, praticamente já há uma tradição a ser honrada e que se encontra em ótimas mãos. Exemplos não faltam. M83, apesar de muitos pensarem ser inglês, é de Antibes, perto da Côte D’Azur. Fizeram sucesso mundial com o sensacional álbum Saturdays = Youth, lançado em 2008 e tornaram-se uma força da música sintética com cara de anos 1980, porém com toque pessoal. Não tão conhecido, porém absolutamente sensacional, L’Imperatrice também surge como força motriz neste terreno. Com obra dividida em EP’s por enquanto, o grupo parisiense trilha um caminho que une o que Air e Daft Punk têm de melhor: o revisionismo setentista/oitentista com toques de futuro e cheio de sutileza. Canções como Vanille Fraise e Sonate Pacifique são beijos à beira mar, sob um sol de outono, num ponto qualquer em que o tempo ficou suspenso no ar. A sutileza dos timbres de teclado e a disposição em fazer música de inconsciente coletivo os torna candidatos a nova sensação daquela terra, se tudo der certo. Ainda no terreno da música sintética, duas outras bandas se saem bem no que a crítica internacional passou a chamar de “french touch”: Housse de Racket, da região de Chaville e a parisiense Caandides.

No terreno do Powerpop, aquela belezura de canção dourada, com refrão perfeito e certeiro mas com guitarras altas o bastante para não deixá-la adocicada demais, três belos representantes surgem. Tahiti 80, belíssima formação parisiense, com carreira que remonta ao fim dos anos 1990, cheia de discos belíssimos lançados, que flertam com a Eletrônica e a Disco Music sem excessos, é um nome fortíssimo nessa cena atual francesa. Jamaica, cujo álbum mais recente, Ventura, foi resenhado aqui há pouco tempo, natural da região da Provença, também flerta com essas sonoridades douradas, mas com pé firme nas tradições oitentistas de influências en passant. Fechando a trinca, o duo Isaac Delusion flexiona esse painel, juntando mais referências à mistura, como Hip Hop, Folk e Technopop. Ainda que tenha começado sua carreira com um disco que acenava nesta direção, United, de 2000, o grupo Phoenix desvencilhou-se dessa cena há bom tempo e produz canções cada vez mais próximas de uma música eletrônica muito pessoal, melódica e arrojada, com assinatura sonora identificável facilmente.

Para iniciados no assunto, Hip Hop francês pode parecer algo além de exótico, mas uma audição será suficiente para mudar de ideia. Desde os anos 1990, Mc Solaar fazia sucesso nas pistas alternativas mais inteligentes do mundo, sobretudo após participar de um dos antológicos álbuns Jazzmatazz, com o já falecido rapper americano Guru. A carreira do sujeito já era sólida em seu país natal e uma tradição no estilo se ergueu ali desde então, uma vez que há um vasto número de imigrantes africanos entrando – ou tentando entrar – na França todos os dias. Quando conseguem, se concentram em periferias de cidades tão violentas quanto em qualquer outro lugar. Bom exemplo desta tradição é Suprême NTM, da região de Seine-Saint Denis, uma dessas regiões barra pesada. A composição do sujeito é tradicional, com samples não ortodoxos e uma fluência interessante, mostrando que o Rap é linguagem urbana universal. Outro artista do estilo, IAM, de Marselha, sul do país, também tem carreira sólida por lá e participou do mais recente trabalho do grupo Deluxe, Stachelight, cuja resenha você também leu há poucos dias por aqui. O sexteto, também de Marselha, se esbalda num mar de diversidade musical sem muita consciência pesada. Cabem R&B tradicional, música eletrônica de várias épocas, Soul e Pop dourado na receita de Deluxe, com muita graça e naturalidade.

Monkeybuzz está aqui novamente com a determinação firme de te apresentar novas opções de bons sons. Essas bandas e artistas mencionados aqui são só uma parte da produção atual da música francesa, universal, antenada e cheia de graça. Vá descobrir e encontrar os seus favoritos! Agora!

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.