Somos Todos Teenage Fanclub

Uma das bandas mais queridas do mundo volta com novo disco em setembro

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Em pouco menos de um mês, teremos um novo álbum integrando a carreira da banda escocesa Teenage Fanclub. É evidente que leremos a resenha de Here no Monkeybuzz, mas, por melhor pensada e desenvolvida que seja, ela não será capaz de mencionar a quantidade imensa de questões adjacentes a um simples lançamento de álbum.

Teenage Fanclub é uma banda que desperta identificação e sentimentos de forma bastante complexa entre as pessoas, movimento inversamente proporcional à sonoridade que pratica. Por mais bela, afetuosa e eficaz que a mistura de influências do grupo seja, seus fãs acreditam em algo além do alcance de vista e ouvido na hora de falar da banda. Vai de encontro aos tempos líquidos e comerciais de hoje, até porque, admiradores e integrantes do próprio grupo são pessoas normais, simples e que compartilham uma atitude que poderia ser definida como “melancolicamente solar” ou “melodicamente triste”, algo que tenha a ver com a dualidade de crescer, tornar-se adulto, endurecer pero sin perder la ternura, como diria um certo Doutor Ernesto Guevara.

Há quem diga que o grupo, formado em 1989 por Raymond McGinley, Norman Blake, Gerard Love e Francis MacDonald, seja tão importante e influente quanto Nirvana. Não seria exagero supor tal fato, ainda que o trio de Seattle tenha ganho fama, fortuna e capas de revista. Mas, se pegarmos os lançamentos de discos em 1991, teremos uma disputa acirradíssima entre Nevermind, Out Of Time, de R.E.M. e o segundo dos escoceses, Bandwagonesque. Na época e hoje, não hesitaria em cravar este último como o mais importante daquele ano anormalmente bom em termos de lançamentos de álbuns e expansão do Rock. O motivo é bem simples: Teenage abria para o mundo a possibilidade de fundir Pop dourado e belo com guitarras sujas e barulhentas. Dito hoje, não parece nada especial, mas naquele início de anos 1990, antes de Britpop e Grunge serem nomes mencionados em algum lugar do planeta, era como ver o mar depois de caminhar por meses no deserto. Canções como The Concept (com o histórico – para mim, aos 20 anos – verso “She don’t do drugs but she does the pill”), Metal Baby, Star Sign, entre outras, eram carinhos no ouvido que não imaginávamos necessitar. Era uma atualização, não só de The Beatles mas uma introdução a formações secundárias dos anos 1970, devidamente devedoras da musicalidade beatlemaníaca, a saber, Badfinger e Big Star, ainda com um saudável amor subtendido por The Byrds, esta também uma banda tributária dos quatro rapazes de Liverpool.

Não dá pra separar a questão geracional disso tudo. Muita gente que tinha seus 20 anos na época, ouviu e amou a obra de Teenage logo de cara, muito através de notícias na finada revista Bizz ou por um especial imprevisto que a Rede Bandeirantes veiculou lá por 1992, mostrando a escalação do Festival de Reading daquele ano, no qual a banda vinha como uma boa aposta. Lembrem-se: era um tempo diferente de hoje, uma época em que não havia Internet e a gente precisava se virar atrás de informação. Com o tempo e o avanço da década de 1990, a música da banda foi deixando de lado o barulho das guitarras e declarando amor cada vez maior à pureza das melodias. Quando chegaram ao quarto álbum, Grand Prix, lançado em 1995, já era possível ver que McGinley, Love e Blake eram compositores atípicos dentro de seu tempo. Enquanto o mundo vivia o Pós-Grunge de grupos pouco inspirados e saudava o Britpop nas capas de revistas inglesas, os escoceses escapuliam por uma tangente gloriosa, deixando modismos de lado para um confortável — ainda que não tão bem remunerado — lugar no coração dos fãs mais dedicados.

À medida que chegava o fim do milênio, Teenage Fanclub notou que era também uma banda com desejo de experimentar. Após gravar um bom quinto álbum, Songs From Northern Britain, em 1998, os sujeitos expandiram suas mentes para alguns voos estéticos, que não foram totalmente bem-sucedidos, ainda que os fãs perdoem tudo, sempre. O disco seguinte, Howdy (2000), já na nova era, ainda investia nessa amorosa e afetuosa fixação pelas melodias setentistas chicletudas, cheias de paisagens como a chegada do verão, um piquenique no parque e o entardecer ao lado da pessoa amada como alegorias possíveis e plausíveis para as mentes dos ouvintes. Tal imaginário se desfez temporariamente com o lançamento seguinte, o questionável Words Of Wisdom And Hope, gravado em parceria com o americano Jad Fair. A ironia esperta dele não casou com a genuína sensação de viver fora de lugar que a banda transmite. Aliás, sobre isso, vale um parêntese: “viver fora de lugar”, em termos de Teenage Fanclub, tem a ver com a crença de que, sim, teremos um pôr de sol perfeito ao fim de cada dia. A banda evoca sinceridade/ingenuidade estabanadas que as pessoas possuem em sua matéria mais elementar, mas que vão perdendo para as trombadas que a vida insiste em dar ao longo do tempo. É como se, pelo espaço de alguns minutos, as letras e melodias do grupo, sempre falando de amor, paz e positividade inevitáveis, nos levassem para dentro de um escudo protetor de Colgate, que nos salva de tudo. É carinho, provavelmente. Fim do parêntese.

Outro disco mais ou menos experimental, porém bastante aprazível, é Man-Made (2006), gravado nos Estados Unidos, contando com a produção de John McEntire, cérebro pensante de Tortoise. Alguma publicação gringa disse, à época do lançamento, que ouvir o álbum era como ter canções de bandas Pop setentistas como America e Bread com toques da modernidade de Stereolab (que McEntire produziu quase à mesma época). O fato é que o grupo escocês, semelhante a um mamute gentil e feliz, tentara manter-se a par das tendências de “modernização vintage”, que pipocaram no planeta na primeira década dos anos 00, sem, no entanto, conseguir nada de muito significativo em termos de mudança estética. A tal noção de que uma modernidade diferente do presente — tecnológico, individualista, comercial — poderia existir, já estava presente na obra da banda desde a origem, entrelaçada com a noção de adolescência perfeita sempre viva. Se as pessoas passaram a imaginar artifícios e estruturas artísticas para voltar a épocas passadas em busca de conforto, os escoceses talvez tenham sido os mais modernos artistas em atividade nos anos 1990. Sim, a vida dá voltas. Parece que o jogo virou etc.

Com o ano de 2010 veio o — até agora — último disco do grupo, o absolutamente sensacional Shadows. Só por duas canções — Baby Lee e Sometimes I Don’t Need To Believe In Anything — ele já teria lugar de destaque num imaginário Olimpo de canções Powerpop. Agora vivemos a tensão antecipada pelo lançamento de Here, o décimo capítulo desta trajetória musical/pessoal. Com o tempo, de alguma forma estranha, nós e Teenage Fanclub nos tornamos amigos. Dividimos experiências, amadurecemos, tivemos algum sucesso, perdemos pessoas queridas, nos tornamos versões mais velhas do que éramos quando acreditávamos nas tais inevitáveis tardes de pôr do sol perfeito, ao lado da pessoa amada. Hoje ainda parecemos com o que éramos, mas há novos e bons traços do tempo em nossas faces. Tem a ver com o passar do tempo, com a própria existência. Se vocês olharem o número de curtidas, compartilhamentos ou demais indicadores atuais de afeição e sucesso, verão que TFC é pouco badalado pela juventude que habita o planeta hoje. É uma gente que, mais cedo ou mais tarde, encontrará na musicalidade da banda o seu lar, ou, como disse alguém hoje cedo, até mesmo uma cura para a depressão. Talvez o grande mérito desses escoceses seja nos fazer sentir membros, de fato e de direito, de um autêntico e permanente fã-clube adolescente.

Pouco antes de escrever este artigo, que já estava pautado há alguns dias, deixei no meu perfil do Facebook um pedido para amigos/fãs da banda. A ideia era que deixassem o motivo de sua admiração pela banda em poucas palavras e os depoimentos dão conta disso, um misto de amor, saudade de si, consideração pelo que acham/sabem que é justo, bonito e afetuoso, no caso, as canções da banda, num caso cada vez mais raro de identificação/apropriação delas. É como se eles (e eu) escolhessem algumas delas para entrar numa terra estrangeira, servindo de hino nacional. É só Rock’n’Roll, eu gosto, mas é muito mais sério do que você pensa.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.