A Nova Onda do Flow Festival

Evento na na Finlândia mostra-se um dos mais interessantes e recompensadores do mundo

Loading

Fotos: Fotos: Karla Salvoni

Seria improvável que um festival tão distante pudesse se mostrar mais interessante que o esperado, mas a Finlândia tem um dos eventos mais aconchegantes e divertidos de música pelo mundo. O Flow Festival, realizado na capital Helsinki, soube mostrar no último fim de semana que é possível e não é tão caro assim estar no extremo norte mundial e ainda assim curtir boa música.

Flow Festival

Misturando nomes jurássicos como New Order, Iggy Pop, Morissey e Massive Attack – grandes atrações para trazer a velha escola dos amantes musicais da jovem Finlândia (país que comemora 100 anos de independência em 2017) – ao lado de novos atos como Kamasi Washigton, Kaytranada e Anderson Paak, o Flow Festival poderia se resumir à música que já sairia ganhando. Qualquer leitor do Monkeybuzz nos últimos dois anos se deliciaria com apresentações de Jamie XX e Thundercat, e também ficaria de boca aberta ao ver a hiptonizante Sia.

Público pelo Festival

Ficaria também com a boca salivando com cerca de 40 restaurantes com quase todos os tipos de comida possível para ser experimentada – de culinária tailandesa à italiana, com opções veganas de cair lágrimas nos olhos. O festival é um dos poucos eventos em que aproveitar para também comer era uma das atrações principais. Com preços que variavam entre 5 e 15 euros, podia-se ter refeições de chefes renomados com quantidades justas e sabores deliciosos – pouco usual quando no Brasil são resumidas a food trucks nem tão gastronômicos assim.

Arte passa pelo Flow

O verão é breve na Finlândia e um dos poucos eventos a céu aberto no gélido país quer que você passe a maior parte do tempo aproveitando os últimos raios de Sol da estação. Para isso, uma estação de energia abandonada se torna a cenografia ideal para o único festival 100% sustentável no mundo – tudo o que é produzido no Flow é reciclado e sua energia é feita a partir de biocombustíveis locais mostrando que é possível concilar diversão e consciência ambiental. Para cada latinha de cerveja retornada, um euro é dado de volta; incentivo os seus frequentadores a não espalharem sujeira pelo local.

A video posted by Monkeybuzz (@monkeybuzz_) on

Onze palcos distintos e com objetivos musicais diversos – de um depósito com pé direito alto servindo de coração aos amantes do Techno a um palco circular com visão 360º e shows emotivos, o Flow serve para manter seus espectadores em constante movimento sem precisar se amontoar. Diariamente, circulavam 25 mil pessoas, número ideal para poder ver tudo sem se espremer (com exceção dos nomes mais requisitados, obviamente). Surprendente foi ver o interesse da juventude finlandesa em shows que já passaram algumas vezes pelo Brasil como Morissey, New Order e Iggy Pop, mas que estavam longe de ser figurinhas carimbadas pela Finlândia. Tal ímpeto abria espaço para que horários conflitantes, como os de Floating Points e Kamasi Washington, tivessem pontos de respiro e conforto.

Floating Points e o live definitivo

Aliás, podemos considerar esses dois últimos como os concertos mais insinuantes do Flow. Ambos sabem construir uma apresentação a partir da conexão de seus músicos, permitindo experimentações, jams e muito sentimento sendo passado praticamente sem voz. O produtor inglês justifica o seu disco ao demonstrar que sua obra tem ainda mais sentido ao vivo – para um ato Eletrônico, a mistura entre elementos orgânicos e usais como baixo, guitarra e bateria para a pulsação de circuitos modulares é surprendente e funciona muito bem como o live set e amplifica o transe que a suas composições carregam. Sensação análoga à dobradinha Thundercat e Kamasi Washington – companheiros de banda que trocaram participações especiais no palco 360º do Flow, local perfeito ao Jazz sensorial e virtuoso dos músicos.

Maestro Thundercat

Provavelmente, era a primeira experiência jazzística para muitos presentes ali, mas, independente do tempo de vivência dentro do gênero, podemos considerar tais músicos como líderes de banda que trazem nostalgia as décadas de 1950 e 1960. São maestros que conduzem seus instrumentos, baixo e saxofone respectivamente, como as vozes principais deixando espaço para que sua banda brilhe durante o concerto todo. Kamasi tem um grupo que inclui dois bateristas, seu pai como flautista e Thundercat no baixo, além de outros instrumentos que o deixam com cara de big band de verdade. Poderia tocar três horas em seu concerto se deixassem, mas preferiu tocar “só” uma hora e meia.

Mega banda de Kamasi Washignton

Aliás, se existe algo que pode ser considerado inédito no festival é duração da maioria das exibições. Nada de shows resumidos e encurtados, pois a experiência é a mesma que em shows “solo”. Logo, um fã de Savages ou The Descendents pôde ver um show feito para ele com a duração que uma exibição mais intimista sempre permite. The Last Shadow Puppets, em um concerto cheio de nostalgia em seus hits do primeiro disco, tocou quase uma hora e meia, enquanto Kaytranada encerrou o evento fazendo um DJ set que não deixará ninguém no Brasil parado quando ele vier em setembro. Outro ponto surpreendente veio do próprio público, que via pela primeira vez nomes como Chrvches ou FKA Twigs e parecia entender cada aspecto de sua apresentação sem nenhuma frieza – comportamento muito mais próximo ao nosso país do que se poderia imaginar. Sia, por exemplo, se mostrou a verdadeira rainha do Pop para uma nova geração e seu concerto, um verdadeiro ensaio contemporâneo.

Flow acontece e sua cenografia ideal

A cantora australiana que quase não aparece em público sabe construir um mistério em tempos de exposição extrema. Dois shows aconteciam ao mesmo tempo: um no telão, com um filme que simulava uma filmagem ao vivo do que acontecia no palco nos mínimos detalhes, o mesmo cenário e figurino poderiam causar alguns segundos de confusão – é tudo encenado? -, no entanto a presença ilustre de atores como Paul Dano ou Maddie Zigler (sua famosa dançarina) no telão não deixava dúvidas da encenação. Sia esconde-se atrás de sua peruca e playback que poderiam torná-la mais uma dublê dentro de seu show, entretant, ela estava lá e todo a mística parecia se cristalizar em hits atrás de hits e um público claramente emocionado. M83 e a cantora acabaram por entregar tais momentos de comoção e provam que o Pop de arena pode ser construido na mais diversas formas.

Massive Attack em um show politizado

Massive Attack e Young Fathers mostraram-se uma combinação poderosa de forças, mesmo que seus momentos independentes no palco soem tão distoantes – o primeiro muito mais viajado, enquanto o segundo com uma veia Pop que nunca foi a diretriz dos britânicos. Um telão com mensagens aleatórias, documentos de wikileaks, códigos e uma forte crítica ao Brexit mostram que a veia política do grupo não se perdeu. Por fim, ao longo de tantos atos, Jamie xx mostrou que ao vivo deseja ser mais DJ que produtor – seu show passa por todos os samples usados em seu excelente disco, mas não empolga justamente quem se tornou fã da obra e sim quem só deseja uma boa e divertida festa.

Público e festivais são sustentáveis

Algumas imagens ilustram um pouco do ambiente de uns festivais mais interessantes que tivemos a chance de cobrir pelo mundo, pela variedade de bandas, que trouxeram um pouco de Jazz, Rock, Música Eletrônica e Pop em um espaço ocupado por artistas locais, chefes de cozinha com receitas com ingredientes finlandesas e um povo normalmente pouco sociável se divertindo como nunca. É sempre recomendável que novos festivais sejam descobertos para que novas ideias possam ser trazidas ao Brasil, e podemos ter certeza que o Flow Festival tem um formato compacto ideal para os fãs de nova música não se esqueçam do passado e tenham conforto para aproveitar três dias intensos de arte. Helsinki é mesmo uma capital da música na efervescente cena nórdica europeia.

Discoteca de Jamie xx

Loading

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.