Música Pop, Constante Evolução

Na multiplicidade de estilos, gênero se reinventa a cada década

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Outro dia fazia eu a resenha do novo – e bom – álbum da cantora inglesa Sophie Ellis-Bextor, Familia. Ao analisar as canções e suas nuances, constatei que havia muitos elementos de um tipo específico de música popular que está em desuso nestes nossos tempos atuais: harmonias rebuscadas, instrumental acústico ou de baixo/bateria/guitarra e teclados, baladas românticas, entre outros indícios, de que Sophie, num movimento que reafirma sua própria trajetória de 15 anos na música, se valia de influências de uma música radiofônica e harmoniosa que surge em número cada vez menor. São mais ou menos as mesmas referências de gente como Adele e Sam Smith, outros dois cantores Pop acima de qualquer suspeita, que se valem dessa abordagem para levar adiante suas carreiras. Se a gente comparar suas gravações – e as de Sophie – com a de gente como, vejamos, Rihanna, Beyoncé e, vá lá, Drake, veremos um abismo estético, ainda que haja espaço para todo mundo nas mentes e playlists dos ouvintes ao redor do mundo. Certo?

Sim, é claro. Só que este Pop derivado do R&B, do Hip Hop e 100% urbano não era, digamos, preponderante há uns 20 anos. Ainda que exista artistas que não se inserem naturalmente em nichos e que insistam em desafiar a moda – ainda bem – podemos notar que a música pop sempre recebe influências de todos os cantos, mudando com isso. É, portanto, um gênero que está num fluxo evolutivo constante, no sentido de receber em si um número cada vez maior de ouvintes, que seriam, até por definição estética, a sua razão de existir. Se levarmos em conta o aumento exponencial da população planetária, do incremento constante da mídia e de sua capacidade de informar sobre novos e velhos artistas e bandas, temos um cenário que potencializa praticamente qualquer tendência em cada vez menos tempo. E está ficando tudo muito rápido.

Talvez não dê pra imaginarmos artistas como Rihanna chegando aos 50 anos de idade na mídia e gravando como hoje. Também não dá pra imaginar que sua obra até hoje, 2016, não tenha predicados suficientes para servir como inspiração para alguma artista que vá escalar as paradas de sucesso planetárias em 2040. O que temos, portanto, é uma forma de arte que não para. Se tivermos algum evento anormal e a música impressionista francesa do século 19, de compositores como Ravel e Debussy, adquira ares influentes em artistas populares, ainda assim teremos a música pop se valendo de referências e inspirações para se manter em movimento. É bom que entendamos que gente distinta como Frank Sinatra, The Beatles, Tom Jobim, David Bowie, Phil Collins, Nirvana, Madonna e The Strokes, além de todo mundo que já mencionamos neste texto até agora, pode ser entendido em algum momento como integrantes do segmento Pop. Eles podem coexistir independentemente de produzirem novas canções, sem perder suas características e ainda permanecer relevantes. A música Pop envelhece rápido mas está sempre nova.

E o que faz esse milagre acontecer? Pequenas revoluções estéticas que são incorporadas de tempos em tempos. Nos anos 1950 tivemos o surgimento do Rock, marcando a adição das guitarras às composições, bem como andamentos mais rápidos, trazidos com o novo ritmo e seu pai, o R&B. Logo depois, com a presença de The Beatles e seus derivados, o andamento se modifica e temos o início do uso maciço da mídia como veículo de divulgação de um artista. Aos poucos a música vai mudando, com adições de tonalidades psicodélicas nos anos 1960, de levadas dançantes e negras nos anos 1970, de percussão e ritmos mais acelerados nos anos 1980 e, em sua última mutação, da incorporação da eletrônica e da estética Hip Hop a partir do início dos anos 1990, num processo que está em movimento até hoje. Claro, como dissemos, um salto evolutivo não invalida o anterior, mas o torna imediatamente datado e fora de moda, daí a provocar a sensação que as músicas de Sophie em mim, motivo do texto. Elas ficaram para trás, o usual é uma canção mais percussiva, com menos notas, mais eletrônica, com dança, atitude ostensiva com alguém autoconfiante e invencível como porta-voz. Não uma moça frágil e vulnerável cantando pelo amor que se foi.

Muita gente gosta de dizer que música popular vive um processo contínuo de empobrecimento, traduzido na medida em que suas representantes soam cada vez menos rebuscadas e/ou detentoras de alguma manifestação mais complexa em termos musicais, melódicos ou líricos. Lembramos a estas pessoas que, independente do padrão estético, a música popular está destinada a abraçar cada vez mais gente e que, caso sintam falta de alguma forma de canção do passado, devem sempre ter em mente que havia menos gente atingida pelo processo que é a gênese desse gênero musical. Quanto menos ouvintes, mais chance de termos alguma forma elitizada como dominante, contradizendo o próprio sentido do Pop.

Claro, não somos obrigados a gostar disso ou concordar com este mecanismo. Temos todo o direito de gostar de representantes Pop de outras épocas, algo que, felizmente, é cada vez mais possível graças a tecnologia e à disponibilidade via Internet de discografias completas e várias formas de apreciá-las. Isso, no entanto, não vai impedir que este gênero esteja nas mãos de uma indústria (cultural) do entretenimento, aparelhada com uma mídia cada vez mais influente e presente, evitando quase totalmente a possibilidade de algo fora dessa lógica surgir para revolucionar o que existe. Talvez este seja o grande desafio dos tempos líquidos de hoje, o de ver algo novo furar este bloqueio que fornece integridade ao processo de alimentação da música pop. Talvez demoremos algum tempo pra notar que, na verdade, existem vários Pops. E que todos coexistem. Ou não. O que não podemos esquecer é de uma singela e definitiva frase do sociólogo alemão, Norbert Elias, que diz: “a música é o retrato da sociedade que a produz”. Ele disse isso num livro que examina a obra do compositor austríaco Mozart, um popstar de seu tempo.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.