O Curioso Caso de Willow Smith

Uma análise de sua obra revela o incrível talento da jovem em decifrar suas dúvidas e certezas

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Em algum momento da carreira de Willow Smith, tudo mudou. Com apenas 16 anos, a jovem solidificou seu nome, longe da sombra do pai e do irmão. O que parecia ser uma trajetória marcada pelo Pop superficial e extremamente mercadológico começou a esboçar aos poucos rascunhos de uma personalidade forte e marcante. Tudo parece ter convergido para a criação desta mistura fantástica de referências, mas onde será que tudo isto começou? A maioria afirmaria que, após o fracasso comercial do single Fireball, parceria com Nicki Minaj, o direcionamento artístico tomou um rumo bastante diferente do que era produzido até então, abrindo espaço para uma Willow mais madura. Entretanto, é difícil atribuir a responsabilidade de tamanho desenvolvimento criativo a um único episódio. Assim, basta uma rápida olhada pela sua trajetória para perceber que tudo o que ela se tornou sempre esteve incluso em sua essência.

O capítulo inicial da trajetória musical de Willow é, indiscutivelmente, o lançamento do single Whip My Hair. Lançado em 2010, ela tinha apenas dez anos e seu domínio da música Pop já era claro. Com uma contagiante batida e um refrão que impressiona pela simplicidade e pelo balanço, a música é decisiva na sua evolução, pois trouxe consciência da produção de um hit, aliada a mensagens empoderadas, principalmente na exaltação de seu cabelo, símbolo de luta da cultura negra. Mesmo o single que se sucedeu apenas comprovou esta tendência. Ainda que com uma pegada bem menos Hip Hop e mais Dance Music, havia um tom claro de independência feminina, mensagem que não desgrudaria dos ouvidos da jovem Willow tão cedo.

Mas foi nesse ápice de empoderamento de que alguns começaram a trazer dúvidas sobre a carreira de Willow ser apenas uma brincadeira, fruto de uma simples análise e aplicação de tendências do começo dos anos 2010. Embalado em batidas marcantes, o single Fireball continha aquela essência que a jovem cultivou, mas não alcançou o sucesso de seus singles passados. Foi nesta época que os anúncios do suposto primeiro disco de Willow, intitulado Knees and Elbows, começaram a perder força com os recorrentes adiamentos da data oficial de lançamento. De qualquer forma, os singles continuaram a ser lançados e, novamente, uma faixa altamente criticada ganhou lugar entre sua obra: I Am Me, a emocionante balada da juventude, chamou a atenção por conter um sotaque britânico forçado e um tom “engraçado” para uma canção tão tocante. O que para alguns era uma dúvida, para outros era a certeza de que Willow estava buscando autenticidade naquilo que produzia, mesmo que isto causasse tantas dúvidas e experimentos (o que é normal, considerando que ela tinha doze anos).

Com o esquecimento de Knees and Elbows, as coisas começaram a tomar rumos incríveis. Não que não tivessem sido tomados até então, mas as coisas começaram a ficar mais claras a partir do lançamento do curto EP intitulado 3. Abandonando as diretrizes daquele Pop radiofônico, Willow entrou em contato com referências mais Soul/R’n’B da música e, agora aos catorze anos, começava a compreender plenamente que o poder de seu talento ia muito além da concepção que os críticos formavam a seu respeito. Três faixas foram necessárias para que ela calasse a boca de todos que esperavam humores adolescentes. A faixa 9, por exemplo, contou com a extraordinária participação de SZA, em uma composição que evocava ambientes mais suaves, contrapondo o peso de Whip My Hair e mostrando o aspecto camaleônico da voz da jovem, algo presente até hoje em sua obra.

Com alguns singles lançados após o impactante EP, Willow resolveu fazer sua estreia definitiva. Knees and Elbows veio ao mundo, porém com o nome ARDIPITHECUS e, diferente do que havia sido prometido anos atrás, com uma sonoridade completamente distinta de Whip My Hair. Com quinze anos, ela surpreendeu os que ousaram dar pitacos de como seu primeiro disco soaria. Ao contrário daquela suavidade do EP, a jovem imprimiu referências bastante inusitadas nestas composições, de M.I.A, passando por Sia, até chegar a Florence + The Machine. Quinze faixas evidenciaram uma criação bastante heterogênea que, ao mesmo tempo que era rica em detalhes, esboçava uma característica nova para os seus ouvintes: o da curadoria de emoções. Willow Smith provou com seu disco de estreia que ela sabia muito bem escolher as sensações que trazia à mostra para seu público. Tudo isto, em uma idade em que a dúvida é nossa companheira fiel e a auto-estima parece ser sempre um capítulo bem vago em um livro de auto-ajuda.

Assim, chegamos ao seu lançamento mais recente e, talvez, o mais intrigante até então. A sinceridade de ARDIPITHECUS ainda é visível, mas as dúvidas começam a se amontoar e, de repente, o Pop não é um terreno mais fértil para espallhar estas sementes dotadas de questionamentos. Mellifluous é uma grande experimentação, no sentido de tentar de decifrar seus questionamentos. Diferente de 3, a suavidade cede a vez para uma agressividade bem dissonante, como se Willow tentasse nos explicar que as vezes nem ela consegue compreender o que se passa em sua mente. É irônico como ela consegue transmitir o sentimento da dúvida e do contínuo questionamento muito bem, mas solucioná-los são outros quinhentos. O curto EP é mais uma prova de como ela está sempre a procura de novas referências para a auxiliar em suas questões.

Willow Smith traz cada vez uma percepção mais aguçada de sua vida e este momento de sonoridades e discos fascinantes é um reflexo disso. O futuro não revela nada além da incerteza que ela ainda está por descobrir, olhando para seu passado com um senso crítico maduro para uma jovem de dezesseis anos e que nos revela cada vez mais expressões fascinantes.

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ARTISTA: Willow Smith
MARCADORES: Redescubra

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique