Father John Misty: Revisando o Inédito

Ansiedade pelo novo disco do cantor e compositor americano é grande

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Menos de dois meses. Este é o tempo que falta para o lançamento de Pure Comedy, o terceiro álbum de Father John Misty. Já são mais de dez anos de atuação em diversos níveis de underground, tocando em buracos e casas noturnas, integrando bandas, burilando carreira solo e, aos poucos, marcando seu nome como um dos mais interessantes artistas surgidos na música americana deste início de século. Não é exagero dizer que Misty, nascido Joshua Tillman em 3 de maio de 1981, carrega nos ombros uma esperança, a de revigorar uma música popular pianística/folkie, que se esgotou ao longo de décadas, mas que, de alguma forma, carrega uma atemporalidade inerente ao próprio formato, ao próprio conceito de Pop.

A gente já sabe que três canções deste novo trabalho já viram a luz do dia: Ballad Of The Dying Man, Two Wildly Different Perspectives e a faixa título. Em comum a dramaticidade, o apelo cantarolante – artigo essencial na boa música desde sempre – e a capacidade de fazer soar novas as velhas referências. Sim, porque, a julgar por estas composições e o trabalho anterior de Father John, seja solo, seja em bandas como Fleet Foxes, não há absolutamente nenhuma nova referência estética presente. O que há é uma nova e jovem maneira de olhar para este passado, algo como tornar inédito o passado ou revisar o inédito. Dessas coisas que o artista faz sem que perceba ou tenha intenção, mas que acaba marcando seu trabalho. É mais ou menos o que consegue fazer outro sujeito iluminado nesta proposta: Justin Vernon, o Bon Iver em pessoa. Father John Misty já “brincou nas onze”, como dizia o poeta.

Excursionou com bons sujeitos alternativos, como Damien Jurado, por exemplo, mas já andou compondo para figuronas como Beyoncé e Lady Gaga, mostrando versatilidade e, mais que isso, atributos que agradam um espectro largo de admiradores. Nada, no entanto, é mais interessante que seus dois discos anteriores, nem mesmo seus primeiros registros de carreira, lançados informalmente em shows e meios alternativos, lá dos meados dos anos 00. Fear Fun (2012) e I Love You, Honeybear (2015), ambos ostentando o prestigioso e simpático selo da gravadora Sub Pop, são dois exemplos de como um artista pode brincar com a linha do tempo de um estilo, levando seus conceitos para dar umas voltas em forma de looping por aí afora e ainda encantar novos e ávidos admiradores.

Política faz parte desta mistura, felizmente. Ciente do papel que o artista pode – e deve – representar na vida das pessoas, inclusive na abertura de suas mentes e apresentação de conceitos que vão muito além da música, Father gravou um jovem e pujante hino de inconformismo em seu último álbum, a assombrosa Bored In The USA. Aqui, vivendo uma variação espectral de Elton John em seus mais brilhantes dias dos anos 1970, colocando na sacola toda uma herança de desafio aos poderosos, ao sistema, ao estabelecido, ao dado como certo, Misty desfila o quanto de propaganda pode nos esconder o que a auto-proclamada nação mais forte do planeta realmente pensa e coloca em prática para seus jovens, pelo menos para os que não comungam de certos ideais e visões estreitas de mundo. Não por acaso, Misty brindou a plateia de um festival em New Jersey com um discurso inflamado no qual atacou a indústria do entretenimento como sendo um dos principais tentáculos de manutenção desta ordem. Foi ovacionado.

Deste jeito, com audácia, sabendo aproveitar as brechas, misturando novo, velho e possível, Father John Misty nos coloca ávidos por seu próximo trabalho. As faixas conhecidas até agora só credenciam o vindouro álbum como um dos mais brilhantes momentos deste 2017. A julgar pelos primeiros eventos do ano, vamos precisar mais do que nunca da companhia e da visão que a boa música pode nos trazer.

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MARCADORES: Novo Disco

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.