Entrevista: Lee Ranaldo

Ex-Sonic Youth comenta seu novo disco, “Electric Trim”, e sua relação com o Brasil

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Fotos: Alex Rademakers

Um dos maiores ícones do Rock Alternativo de todos os tempos, Lee Ranaldo veio ao Brasil com duas grandes novidades embaixo do braço. Uma delas é a produção musical do filme Ainda temos a Imensidão da Noite, gravado em Brasília com direção de Gustavo Galvão, que estreitou ainda mais sua relação com nossa terra. A outra é seu mais recente disco solo, Electric Trim, que sairá só em setembro, mas tem suas músicas apresentadas em versão voz e violão durante uma turnê intimista em várias cidades do país.

Esses dois assuntos pautaram a conversa que o ex-Sonic Youth teve por telefone com o Monkeybuzz, que já teve acesso ao novo álbum. Em terras brasileiras já há duas semanas, o músico afirma gostar muito do país e de Brasília, onde ocorre a produção do longa, como você pode ler a seguir.

Monkeybuzz: Electric Trim começa de uma maneira bastante épica com Moroccan Mountains, uma faixa grandiosa em volume e duração. A ideia era deixar o ouvinte nesse clima de “algo muito grande está acontecendo”? Lee Ranaldo: Achávamos que seria uma maneira surpreendente de começar o disco, ao invés de uma música mais Pop. Tentamos várias sequências, com várias músicas primeiro, e percebemos no fim que a ideia de começar com uma música longa e épica assim era uma forma de indicar que esse disco seria diferente. Fiquei feliz com esse início de álbum.

Mb: Pois é, é interessante como Circular (Right as Rain) se destaca no repertório justamente por ser mais Pop que as outras, ao meu ver. Lee Ranaldo: Acho que sim, ela tem um quê mais Pop, foi uma escolha fácil para ser lançada antes. Tem sido um disco divertido de pensar essas coisas, decifrar como resolver essas questões.

Mb: Outra coisa que notei é como, ao chegar na terceira faixa, havia a impressão de já ter passado por muita coisa. Como foi trabalhar o repertório do álbum? Lee Ranaldo: Quando produzimos as músicas, começamos com minhas demos cruas. Não tinha nenhuma razão especa isso, mas sabíamos que queríamos fazer um disco que fosse bastante variado. Fico feliz das faixas não parecerem umas com as outras, entende? Essa variedade é o que ele tem de mais legal.

Mb: Pode parecer estranho falar assim, mas ele é, para mim, um disco “completo”. Lee Ranaldo: É uma boa forma de dizer. Sinto a mesma coisa.

Mb: Por que batizar o disco de Electric Trim? Aliás, a faixa-título é a minha favorita no momento.
Lee Ranaldo: Legal! O título veio quase como um acidente. Tem uma história, na verdade. Eu achei um arquivo de gravação que eu editei e aparei (“trim”, em inglês). Depois, essa frase “electric trim” apareceu na música, sem querer dizer nada, mas meu baixista me disse que “trim” é uma gíria para a genitália feminina nos Estados Unidos. Eu não sabia! (risos) Mas achei que tinha um quê de “Rock’n’Roll” nesse nome, o que, para mim, combinava também com a capa e as marcas de pneu na estrada. Acho que tudo casou de uma maneira interessante.

Mb: Eu achei que a capa representava a estrada percorrida para realizar o álbum, com as marcasde pneu mostrando que não foi uma linha reta percorrida.
Lee Ranaldo: Realmente, não foi um caminho linear fazer esse disco, havia uma surpresa a cada curva. Minhas demos eram muito simples, feitas no violão, não sabíamos no que elas dariam no fim. Criamos então coisas diferentes para cada música, a favor da diversidade.

Mb: Por isso também você tem feito shows acústicos com as novas músicas, tanto no Brasil, quanto nos EUA?
Lee Ranaldo: Sim, tenho feito vários shows acústicos, o último com banda foi em novembro. Gosto desse formato, vou continuar com ele um tempo, mas sem deixar de tocar com a banda, de fazer outros experimentos, como sempre fiz.

Mb: Você acha que sua vontade de experimentar mudou com o tempo ou ainda é a mesma de décadas atrás?
Lee Ranaldo: Acho que a vontade de experimentar não muda, mas a forma com que experimento muda o tempo todo, de uma situação para outra. Sinto que sou um artista e um músico experimental por natureza, mesmo se eu estiver trabalhando em um formato convencional, como voz e violão, então… tento fazer meu melhor (risos). Tem dado certo, acho que esse disco é a melhor coisa que já fiz.

Mb: Você convidou Sharon Van Etten para o álbum, eu a conheci há cerca de dois anos e ela é uma artista sensacional. Como foi que surgiu essa oportunidade?
Lee Ranaldo: Foi ótimo. Participamos da mesma cena, mas não nos conhecíamos ainda. Liguei para ela perguntando se ela teria interesse, sem saber que ela era super fã de Sonic Youth, então ela disse “sim” na hora (risos). Foi super legal trabalhar com ela, sua voz é um instrumento fantástico.

Mb: Como é para você envolver outros artistas em um projeto dito “solo”, que leva seu nome?
Lee Ranaldo: De certa forma, quando eu trabalhava com Sonic Youth, tudo era muito democrático, todos colaboravam juntos nas músicas. De repente, eu estava fazendo minhas próprias composições, e era uma dinâmica muito diferente, eu era o diretor das músicas. É um trabalho solitário, como se você fosse um pintor no seu estúdio. As colaborações que faço hoje em dia, com autores, produtores ou músicos da banda, são mais participativas.

Mb: Como tem sido essa sua temporada no Brasil?
Lee Ranaldo: Já estou aqui há mais de duas semanas. Foi muito bom, muito legal trabalhar no filme. Gosto muito de Brasília. Estava gravando a banda no estúdio, o filme gira meio que em torno do momento político do país pelos olhos dos músicos.

Mb: Como surgiu a oportunidade de trabalhar no longa?
Lee Ranaldo: No ano passado, quando toquei em Brasília, a atriz principal veio falar comigo, me contou sobre o projeto e sobre como eles precisavam de um produtor para a banda, me colocou em contato com o diretor e começamos a conversar. Simples assim.

Mb: É de se imaginar que o Brasil possui um papel importante na sua história, visto que foi onde Sonic Youth tocou pela primeira vez. Qual é a sua relação com o país?
Lee Ranaldo: Pois é, o último show foi aqui. Demorou muito para conseguirmos vir, mas, depois que finalmente rolou, o país foi muito aberto a nós. Eu amo o Brasil, tento conhecer cada vez mais dele. Gosto de aprender mais sobre a música, que é super interessante, e sobre a comida e a cultura. Percebo que nós compartilhamos da mesma incerteza política no momento, com o que aconteceu com Dilma aqui, vendo “Fora Temer” nos muros, e com o que tem acontecido com Trump nos EUA e a hashtag #notmypresident. Tem sido interessante aprender com esse paralelo.

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.