Fora da Casinha 2017: Bratislava + Aloizio em Papo Exclusivo

Festival gratuito acontecerá neste sábado, 07 de outubro

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Após uma grande edição em 2016, o Festival Fora da Casinha ruma pela primeira vez a uma praça público e levará uma grande programação ao Largo da Batata, em São Paulo, neste sábado, 07 de outubro, com shows gratuitos a partir das 13h.

O evento surgiu para expandir os limites do espaço cultural Casa do Mancha, um ponto de convergência entre muita da produção autoral que compõe a cena alternativa contemporânea no país. Foi lá onde muitas pessoas puderam ouvir ao vivo pela primeira vez várias das bandas que viraram favoritas, assim como os músicos puderam conhecer uns aos outros.

No mesmo clima de companheirismo que o local e o festival propõem, o Monkeybuzz colocou Victor Meira, da banda Bratislava, e Aloizio, do projeto Aloizio e a Rede para baterem um papo bem livre sobre suas carreiras. Ambas se apresentarão juntas na tarde do dia 07.

Victor Meira, Bratislava: Você lançou o Esquina do Mundo em 2015. De lá pra cá, foram muitos shows e, em alguns dos nossos encontros, você contou que estava repensando sua estética, que estava repensando também a sua voz, a coisa de cantar. Daí surge um projeto mais despojado e experimental nesse meio tempo, o LØWZ, que é instrumental, eletrônico, cheio de landscapes sonoros. E tô ligado que tá vindo coisa nova tua por aí. Que direção esse novo trabalho tá tomando? Ele vai soar muito diferente do Esquina?

Aloizio: Acho que a parte boa de ter um trabalho reconhecido é aumentar a confiança na intuição. E esse foi o meu “cli​que​” pós primeiro disco. Ando confiando mais nas melodias que tocam na minha cabeça e executando tudo sem (muito) julgamento. Isso tem feito surgir diversos novos projetos, lugares dentro de mim que eu ainda não havia explorado. Meu home studio tem produzido Indie, Pop, R​ B, rock e dia desses até um Pap com o Canisso (Raimundos). Então, pode ter certeza que o segundo trabalho vai vir mais experimental e mais coeso, já que agora a REDE (eu, Pedro, Samyr e Felipe) está muito mais entrosada e dinâmica.

Victor: Massa!

Aloizio: Uma das coisas que mais me chamou atenção no Fogo, terceiro álbum de vocês, foi a poesia. A banda soa mais conectada e pesada, dando base para um Victor muito mais livre. Queria saber como foi esse processo e o que te motivou a libertar (mais ainda) o poeta.

Victor: Quando Bratislava começou​,​ eu iniciei uma migração entre linguagens. Até 2010, eu não compunha música, mas escrevia muito, ia a saraus, cheguei a participar de dez blogs coletivos de poesia uma época. Essa migração foi difícil porque o poema, pra mim, é diferente demais da letra de música. Absurdamente diferente. E no começo eu escrevia letras como eu escrevia poemas​. Era um processo cabuloso, infértil muitas vezes. Com o passar dos anos, compondo com a Bratislava, com Godasadog e com o Coração de Pano, fui pegando mais intimidade com a linguagem. Hoje acho que meu processo criativo é mais fértil, menos cerebral, existe um fluxo. Outro paradigma que mudou do disco anterior para o Fogo foi o mindset da banda. ​Me v​ejo hoje no papel de compositor, produtor e letrista, mas não de instrumentista, não muito de arranjador também. Para me aproximar das letras, optei por me afastar um pouco dos instrumentos, foi uma escolha. E isso abriu ainda mais espaço para a expressão criativa do Sandro, do Lucas e do Xande. Tenho gostado disso.

Aloizio: Sensacional! Demais saber disso!

Victor: O som do Aloizio é mais solar do que lunar pra mim. Quer dizer, é um som pra cima, enérgico, passa boas vibes. E é doido isso, porque as letras são introspectivas e profundas, falam sobre encontrar um universo interno, sobre mudanças pessoais que envolvem abrir mão de algumas coisas pra abraçar outras, sobre se refazer depois de experiências amorosas que detonam a gente. Faz sentido pra você essa impressão? Você enxerga teu som também como um solar-introspectivo?

Aloizio: Muito engraçado você citar isso, porque o nome do segundo disco (por enquanto) é Sombra Cega. Seria irresponsável da minha parte explicar os motivos, já que o trabalho ainda está em construção, mas na minha atual busca pessoal, ando trabalhando para perceber como o equilíbrio, Yin e Yang, está em todos os aspectos da vida, da natureza e da mente. Nós somos todos meio luz, meio sombra. Meio dia, meio noite. Meio ​s​ol, meio lua. Minha sombra sempre esteve mais escondida. Ela se liberta na escrita, na voz, enquanto meu corpo tem esse excesso de energia que transborda na guitarra, na performance, na estética. Vou lançar uma música nova ainda esse mês, e ela explora as sombras da culpa. Nosso pavor em aceitar a verdade, aceitar nossos erros e só assim conseguir evoluir. Ando sendo mais responsável comigo e, por isso, acho que o próximo trabalho terá essa sombra/lua mais explícita – e consequentemente, o sol também.

Victor: Que demais, pode crer! E que nome lindo, adoro Sombra Cega!

Aloizio: Sei que você acompanha de perto o que tem de melhor da cena musical brasileira e no mundo e, aparentemente, boas músicas sempre surgem em momentos de crise sociopolítica. O disco de vocês abre com Enterro, uma música que retrata um dos vários problemas que nosso país anda vivendo. Como você enxerga essa relação entre crise e criatividade?

Victor: Acho que a gente tá sempre atento, seja com o que acontece fora ou dentro do peito. Grandes tragédias socioambientais, mesmo que não resvalem diretamente em nós músicos, nos afetam emocionalmente e nos preocupam como cidadãos, como entidades sociais vivas. A história específica de Mariana (MG) me chocou e me inspirou e, honestamente, não sei o que fez esse acontecimento específico, no meio de tantos outros eventos repugnantes no Brasil e no mundo, bater mais forte ou me inspirar. Apenas fico feliz por ser um instrumento de disseminação dessa história – acho que foi ela que me usou como meio pra ganhar sobrevida, permanência e conscientização. Mas, em suma, escrevo sobre o que me inspira e o que tem mais chances de continuar ressoando verdadeiramente no meu peito, enquanto convivo com aquela mensagem que quero entregar. Isso é um ponto-chave na minha experiência como artista. Da mesma forma que eu entrego força, suor e amor pra compor, eu preciso ainda mais que essa composição me nutra de força e amor toda vez que eu for apresentá-la ao público.

Mergulhando mais nesse tema da relevância da nossa música, da nossa mensagem: num tempo em que estão em pauta assuntos tão urgentes e tão necessários como, por exemplo, a superação de ideias tradicionais/conservadoras, como você entende a relevância do seu discurso, Aloizio, homem, hétero, sendo quem você é? Você acha importante essa reflexão?

Aloizio: Essa é uma das reflexões mais importantes neste momento para qualquer ser humano. Estamos começando a repensar/reformar a sociedade e todas as nossas crenças sociais, religiosas, sexuais, nossos padrões de consumo e principalmente nossa relação com o próximo. Há uma grande crise de identidade na sociedade como um todo. Estamos em um estado bipolar de amor e ódio. Futuro e passado. Liberdade e medo. E se não aproveitarmos para repensar nossas atitudes, seremos apenas adubo ao invés de semente. Tem aquela velha máxima que diz que as pessoas não aprendem com o que a gente fala e sim com o que a gente faz. Então, como artista, faz um bom tempo que venho fazendo uma grande análise e assumindo responsabilidade pelo machismo e preconceitos disseminados em nossas atitudes como homem. Digo “nossas” porque acredito que a questão é historicamente sociocultural: essa fragilidade masculina coberta por uma capa de ódio. Não sou sociólogo, mas tenho a sensação que é daí que parte esse medo da mudança que é tão conservador. Medo daquilo que, de alguma forma, afeta a falsa segurança de quem vive dentro dos padrões. Então luto diariamente para melhorar minhas atitudes com qualquer ser humano que cruze o meu caminho. Eu acredito e vivo na liberdade de ser. Hoje em dia, por exemplo, eu sinto o dever de falar sobre espiritualidade, meditação, auto-responsabilidade e preconceito racial, que é algo que eu sempre senti na pele, mas nunca havia abordado nas canções. Agora, com meus quase 30 anos de idade, essa voz começa a surgir dentro de mim e tudo o que for dito virá de forma natural, como tudo o que escrevo. Resumindo, acredito que precisamos nos repensar como indivíduos e enxergar que somos todos iguais e reflexo de uma mesma coisa. Dessa forma fica mais fácil perceber uma pessoa como um ser e não como um gênero, uma cor ou uma classe social.

Victor: Eu e o Ian (Fonseca, vocalista da Supercolisor) conversamos sempre sobre isso. Não só como viver em constante desconstrução e reforma sócio-político-moral, mas como encontrar uma voz válida/relevante pro nosso discurso artístico. Por exemplo, tem uma banda de amigos que vão lançar um disco inteiro sobre sustentabilidade, no qual todas as metáforas e figuras das letras tem a ver com plantas, matéria prima, desperdício, renovação… Isso é uma busca, sabe? Ou o próprio Francisco El Hombre, que fala sobre integração político-social latino americana, que, pra mim, é uma pauta muito doida (risos). Parece que, de forma geral, os artistas estão nessa busca constante de uma mensagem relevante, interessante, engajadora.

Aloizio: A música é uma arma fortíssima de comunicação. E os artistas estão percebendo que não é sobre eles, arte não é pra suprir ego. Arte é o registro de uma perspectiva da vida. Acho que a gente tem que encontrar a nossa própria luta. Algo que se identifique. Às vezes sua luta é o amor, e isso é suficientemente bom. Falar de amor também é falar de preconceito, de política, de sociedade.

Victor: Total. Massa demais, mano.

Aloizio: Nossas bandas estrearam juntas na Casa do Mancha e agora estamos mais juntos ainda dentro do festival. Na tua opinião, qual a relevância da ​C​asinha e desse festival para a cena brasileira?

Victor: Sempre frequentei a ​C​asinha, perdi a conta de quantos shows já vi lá. A primeira vez que tocamos, em 2015, foi muito especial. Acho que a Casa do Mancha já é um símbolo cultural permanente em São Paulo, sabe? É um ponto fundamental de articulação entre artistas novos e alguns já um pouco mais consagrados. Uma venue acessível, com uma cultura própria, uma identidade. O festival anual é uma comemoração disso, dessa entidade viva que é a casinha. E ela tem um papel fundamental na nossa trajetória, né? É muito legal mesmo participar dessa festa de dez anos. Além disso, acho que a Casa do Mancha tem muito a ver com o que é a música alternativa nesses nossos dias, longe do formato megalomaníaco de arena – algo mais aconchegante, onde a música pode exercer seu aspecto mais afetivo e humano. A proximidade do público com o artista, a qualidade controlada do som… Vemos casos similares no ​Y​ouTube, com sessões como KEXP e a NPR Tiny Desk Concerts. Um formato confortável para o artista e para o público. Isso é muito legal, muito atual.

E pra fechar: ​O​ que você espera do show sábado? Conta um pouco pro pessoal o que a gente tá aprontando e o que a galera pode esperar do show.

Aloizio: Conseguimos mesclar as músicas certas para mostrar o que tem de melhor nas duas bandas. Apesar de já termos tocado juntos diversas vezes, essa é a primeira vez que estamos realmente entrando na música, no arranjo e no processo todo do outro. Muito bom ter essa sensação de somar o som e a mensagem. Me dá essa sensação boa de que música é algo muito maior que todos nós e quanto mais junto estivermos, melhor.

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MARCADORES: Entrevista

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.