Entrevista: Ibeyi

Lisa-Kaindé Díaz comenta sobre o disco “Ash” e suas lembranças do Brasil

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É sempre interessante a dinâmica de entrevistar alguém pela segunda vez, ainda mais pela terceira. Conheci Lisa-Kaindé Díaz, do duo Ibeyi, ao lado de sua irmã em uma chamada de vídeo por Skype em setembro de 2016, e nos encontramos pessoalmente para um vídeo em São Paulo cerca de um mês depois. Com novos shows no Brasil anunciados para o início de 2018, surgiu também mais uma oportunidade de uma conversa com o Monkeybuzz.

“Acho uma ótima tradição”, brincou Lisa, que estava sozinha desta vez na ligação. Muito animada com o ainda recente Ash, a artista franco-cubana comentou um pouco sobre o processo de produção do disco, novamente ao lado de Richard Russell (também conhecido como Everything Is Recorded), sobre o momento atual da dupla e, é claro, sobre poder voltar ao país.

Monkeybuzz: Quando ouço Ash e o comparo com o disco anterior, ele me parece mais experimental, traz uma variedade maior de estilos. Vocês tinham essa intenção desde o começo da produção?
Lisa-Kaindé Díaz, Ibeyi: Sim, nós não queríamos fazer um disco igual o primeiro, e queríamos experimentar outras direções. Depois de passar dois anos em turnê por todo o mundo, percebemos que queríamos um álbum que fizesse as pessoas dançarem, que elas cantassem mais nos shows. E acho que foi isso o que fizemos, um disco com mais energia, também mais visceral, de certa forma, o que é exatamente o que queríamos.

Mb: Vocês trouxeram algumas parcerias de peso para esse disco, como Chilly Gonzales e Kamasi Washington. Como foi trabalhar com esses outros artistas?
Lisa: Foi absolutamente incrível. De certa forma, foi até simples, o tipo de coisa que era mesmo para ser, o que tornou tudo ainda mais especial. Conhecemos todos os convidados nesses dois anos de turnês, começamos a conversar, mandamos as músicas e eles nos devolveram as maravilhas que ouvimos no disco. Ficamos muito felizes pela oportunidade.

Mb: Neste ano, vocês estiveram com Kamasi Washington também a convite de Everything Is Recorded, não é?
Lisa: Sim, na verdade, nós que apresentamos Kamasi a Richard [Russell, o produtor]. Ele conhecia sua música, mas nós falamos “vocês precisam ser amigos”. Foi uma ponte legal de fazer. É maravilhoso poder criar com essas pessoas. No primeiro disco, sentíamos que não podíamos convidar outros, porque não nos sentíamos fortes o bastante, queríamos controlar tudo – éramos meio neuróticas com isso (risos). Desta vez, nos sentimos mais fortes e, depois de experimentar colaborar com tanta gente para Everything Is Recorded, falamos “é isso o que queremos fazer”. Nós sabemos quem somos e o que nossas músicas são, então fica mais fácil aceitar ter outra pessoa colaborando.

Mb: É interessante como, quanto mais você firmeza você tem na sua obra, mais flexível você fica para novas ideias.
Lisa: Exatamente. Vejo como uma questão de força, você precisa estar forte para saber aceitar a força do outro, daí sua arte fica também mais forte. Por isso também foi tão incrível trabalhar novamente com Richard em Ash, porque todos nós nos sentimos mais fortes individualmente, então foi muito bom voltar ao estúdio e compartilhar essa força.

Mb: Que impacto uma troca de forças dessas tem para sua música?
Lisa: Isso muda a sua vida. Conhecer Richard lá no começo mudou nossas vidas, ele traz tanta alegria, tanta paixão, mudou quem Ibeyi é. Também trabalhamos com muitas lágrimas, com muitas risadas. Acho que é isso o que é incrível, esse momento único em nossas vidas que vivemos no estúdio e fica como uma das melhores lembranças que teremos para sempre.

Mb: Quando conversamos pela primeira vez, você comentou que o primeiro disco era sobre fantasmas, e que o próximo teria outro tema. Mas Ash (cinza), leva também a uma interpretação da morte.
Lisa: Sim, acho que isso é algo que sempre nos acompanhará (risos), porque achamos que nossa música é o que nos conecta aos “fantasmas”, nossa conexão conosco mesmas, com nosso pai e com nossa irmã. Mas, para mim, este disco é sobre transmissão, sobre o mundo de hoje, sobre nossa visão de mundo, o que já é uma grande mudança. O primeiro álbum era sobre o passado, este é sobre o presente.

Mb: Quando você diz isso, eu logo penso em dois temas que parecem falar mais alto no disco, o das tensões raciais e as pautas feministas – Deathless e No Man Is Big Enough for My Arms talvez sejam os melhores exemplos. Como foi a escolha de trazer esses assuntos à tona em sua música?
Lisa: Acho que não tínhamos escolha. Era isso o que estava em nossos estômagos, o que o mundo nos mostrava todos os dias na época que escrevemos as músicas. Não acho que as pessoas deveriam tratar desses temas por decidirem que precisam, mas só se elas sentirem profundamente, o que foi o nosso caso. Nos pareceu importante, e foi algo bom de se fazer. Uma coisa que você precisa ter em mente é que nós compomos em primeiro lugar para nós mesmas. Essas eram músicas que precisávamos ouvir, que precisávamos cantar toda noite e fazer as pessoas cantarem bem alto. Precisávamos sentir que podíamos mudar as coisas, e Deathless nos deu isso. Estávamos muito pessimistas em relação ao mundo, e, de repente, escrever Deathless nos deu a impressão de que podíamos mudar algo, que podíamos devolver o poder de volta às pessoas, nem que por um minuto, ou um segundo. E a mesma coisa vale para No Man Is Big Enough for My Arms. A noção de que você é suficiente é algo muito fácil de se perder, e poder dizer isso para cada mulher na plateia, e para cada homem também, é muito especial.

Mb: É delicado afirmar isso, mas, para mim No Man é a melhor música do disco – não só por toda essa sua relevância, mas também porque ela traz uma carga bastante atemporal. Mas o álbum também traz momentos bastante diversos, como Me Voy e sua carga bem dançante. Como foi trabalhar lados tão distintos dentro de um mesmo registro?
Lisa: Lembra quando eu te falei que queríamos procurar Ibeyi em todos os lugares que podemos estar? Naomi queria muito fazer uma música que fosse mais Raggeaton, mais dançante, é algo que ela me dizia desde que Ibeyi começou, e quando escrevemos Me Voy, ela disse: “Acho que é essa”. E foi muito legal poder explorar outros lugares, outros sons, e fazer com que eles também fossem “Ibeyi”. Foi algo super legal de se fazer.

Mb: Já faz um pouco mais de um ano que vocês passaram pelo Brasil, e logo voltarão. Quais são suas melhores lembranças daqui?
Lisa: Você não consegue nem imaginar: (falando pausadamente) Brasil… foi… o… melhor… dos… melhores. Não tenho palavras para descrever, nos apaixonamos pelo Brasil, sentimos um amor verdadeiro do público, às vezes nem conseguíamos ouvir nossas vozes porque todos cantavam muito alto. Foi muito surpreendente, muito forte.

Mb: Da última vez que conversamos, terminamos o papo com a pergunta: “O que o futuro tem para Ibyei?”, e eu quero encerrar hoje com a mesma questão. O que vem por aí?
Lisa: Nossa, tanta coisa. Você entende que isso é só o começo, né? A gente vai ter que fazer muitos skypes e muitos vídeos ainda. Acho que nós passaremos nossa vida fazendo isso. O que vem por aí? O mundo ainda tem muito o que ver sobre Ibeyi, ainda temos muito o que mostrar e muita gente para conhecer. Saber que ainda é só o começo me deixa feliz, não vejo a hora de saber o que o futuro trará!

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ARTISTA: Ibeyi
MARCADORES: Entrevista

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.