Thurston Moore: Improvisando Ruídos

Ex-Sonic Youth lança “Improvisations”, disco colaborativo de qualidade duvidosa

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Fotos: Matt Lief Anderson

Thurston Moore merece nosso respeito, certo? Sócio-fundador do grupo Sonic Youth e participante de vários projetos paralelos, colaborativos, desapegados e sempre na vanguarda sonora, o sujeito é um desses caras que deixaram de lado o ego e a idolatria por um espaço no terreno das influências. Ele vai inspirar gente com guitarras no porvir, guiando seus passos rumo a uma abordagem que marcou o Rock no fim do século 20, passando, necessariamente, pela comunhão entre melodia e ruído. Claro, sempre existirá a opção por diferentes dosagens destes elementos – uns preferirão ênfase na barulheira total, outros pensarão ser a melodia o fator mais importante. Não importa o que escolham, sempre o quarteto de Nova York será uma referência nisso.

Thurston continuou em atividade após o fim do grupo. Sua ex-esposa Kim Gordon deixou o baixo vago e a banda não fez mais sentido. Ele, Lee Ranaldo e o baterista Steve Shelley seguiram rumos distintos, mas jamais saíram de cena. Volta e meia, um destes nomes é notado em ficha técnica de algum disco sendo lançado por aí, sempre dando uma espécie de garantia de aventura, desprendimento com fórmulas e … volume alto. Não admira que Moore esteja envolvido em um desses projetos, desta vez com Charles Hayward, baterista do veterano grupo Punk inglês This Heat. A dupla lançou um álbum colaborativo em tiragem de 500 cópias em vinil, chamado Improvisations, baseada na liberdade/facilidade para colocar um trabalho desta natureza no mercado alternativo do alternativo. Ambos estão em seu elemento mais primordial, no caso, o Rock mais experimental, instrumental e vigoroso possível.

A ideia do álbum é a basicamente a espontaneidade. Ele foi gravado uma tarde de ensaios dos dois músicos, na qual ambos fizeram o que sabem fazer: Moore explorou sonoridades dissonantes de sua guitarra e Hayward forneceu vigorosos andamentos lineares de bateria e deu uma forcinha aqui e ali nos teclados. E só. O resultado é um misto de estruturas experimentais e sem muito compromisso com os elementos mais tradicionais da guitarra, a saber, riffs e licks, sobre uma base pós-punk, fornecida por Hayward. Não importa se a bateria surge soterrada pelos apitos, efeitos e tudo mais que Moore vai impondo. Como o nome do disco sugere, tudo improvisado, sem nada previamente acertado, além de outras duas reuniões que os músicos tiveram em palcos ingleses nos últimos tempos. E só. Moore declarou que estava interessado na interação entre dois músicos, algo que, segundo ele, se materializa mais facilmente no palco. No estúdio, com o álbum sendo feito à medida em que as improvisações aconteciam, “algo novo surgia”. Com sete faixas, cada uma com uma letra (A ou B) e um número, a dupla irá improvisar ao vivo, não para celebrar o registro em disco, mas para dar energia vital para a própria parceria.

Moore foi morar em Londres após o fim do Sonic Youth e começou a frequentar a cena alternativa da cidade, encontrando-se com Hayward e estabelecendo essa colaboração. A música de sua banda sempre esteve nas fronteiras do chamado “formato Pop” com base no rádio. Mesmo em momentos mais harmoniosos em sua carreira, o quarteto jamais fez concessões que não passassem exatamente pelo rumo que queriam adotar. Se a música produzida por eles tornou-se mais “domesticada” com o tempo, foi por conta da tendência natural em instâncias como composição e gravação. Aqui, no entanto, Moore e Hayward não têm qualquer parâmetro para levar sua música ao ouvinte e eles souberam aproveitar ao máximo.

Ainda que haja dúvidas sobre o valor do registro em disco, certamente é válido ver dois músicos subirem num palco sem uma predeterminação que os engesse criativamente. Tudo por aqui parece diametralmente oposto ao Pop e outros ritmos absorvidos pelo showbiz, onde só pode haver esquematização. Moore e Hayward surgem como dois pontos de interrogação num pequeno palco mal iluminado. Ligam seus instrumentos e soltam as feras da improvisação/inspiração sobre um público seleto e disposto a viver esta experiência líquida e fragmentada num mundo de esquemas e padrões. Além da música, além da arte, num planeta em que valores materiais ditam as normas, ver algo tão anti-comercial assim é, pelo menos, refrescante e encorajador.

O duo liberou uma amostra da gravação do álbum para que possamos ter uma – vaga – ideia do que será visto e ouvido nas apresentações. Veja/ouça por si mesmo.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.