Robert Plant para Sempre

Ex-Led Zeppelin é uma força criativa no universo musical ainda hoje

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Uma olhadela na carreira solo de Robert Plant nos mostra duas coisas: ele nunca tentou recriar o que fazia com Led Zeppelin e, de uns 20 anos pra cá, ele tem procurado um caminho próprio, distinto, no qual mistura seu amor ancestral pelo Folk e R&B com uma abordagem bem recente, contemporânea, em que ele mescla estas influências com referências tênues num trabalho vigoroso, inovador e belíssimo. Assim foi com seus discos mais recentes, pelo menos desde Mighty Rearranger, de 2005, no qual ele começou a arregimentar instrumentistas cascudos na tradição anglo-americana de ótima música “de raiz”, formando, aos poucos, uma superbanda, a Sensational Space Shifters. Com ela, sob sua influência e trocando conhecimento com essa galera, Plant soltou três discos irrepreensíveis: Raising Sand (com a cantora country Alison Krauss), Band Of Joy e o impressionante Lullabye … And The Ceaseless Roar, de 2014, escolha pessoal deste escriba de melhor disco daquele ano. Há poucos meses, o sujeito voltou com um novo álbum impressionante: Carry Fire, outro colosso que nada deve a seus antecessores. Qual é o segredo de Plant? O que aconteceu com um cara tão ligado ao passado, ou melhor, tão colocado no passado por seus fãs?

É possível supor que Robert não tem o mesmo carinho pelo passado que seus fãs. Claro, ele foi uma das marcas principais do Led Zeppelin, o cantor com voz de trovão, o deus nórdico encarnado, o personagem mítico de jovens sedentas/os por novidades musicais ou não. O fato é que ele sempre foi um cara seríssimo e consciente de seu papel na banda. Quando o Zeppelin foi pro espaço, Plant já estava com uma carreira solo engatilhada e afiançada pela indústria. Veio cantando Pop mas com um pé no Rockabilly. Logo gravou um EP a bordo de uma banda chamada The Honeydrippers, no qual exorcizava suas influências de Elvis e Little Richard. Depois, salvo algumas exceções mercadológicas, sempre procurou fazer um caminho distinto em relação ao legado de sua antiga banda, postura diferente de Jimmy Page, guitarrista, produtor e arquiteto da sonoridade zeppeliniana por excelência. Plant sempre pareceu olhar para frente, em uma outra direção. E está certo.

A encarnação criativa que caracteriza sua carreira solo é a prova de que Robert sempre teve certeza do que queria encontrar. Nunca procurou sair de sua área de familiaridade sonora, mas queria fazer suas incursões no território de uma forma nova e relevante. Bem, conseguiu. Seus discos no século 21, inclusive o belo (Dreamland (de 2002) trazem um frescor quase adolescente, típico de quem está reencontrando seu lugar no mundo depois de tanto tentar. A tal liga sonora que Plant forjou com a Sensational Space Shifters é agora sua marca registrada. É aquela voz profunda como o Tempo, mas que ainda fala com a disposição e a alegria dos mais jovens. Para isso, partindo do cruzamento entre os estilos mencionados acima, Plant mistura uma visão afetiva pela música de lugares como Oriente Médio, norte da África e Índia – uma paixão antiga dele – que só vem somar novidade e profundidade ao som que ele faz. Com o tempo, ele aperfeiçoou sua proposta, levando sua música para uma abordagem sutil, atmosférica, pungente. Lembra as produções noventistas de Daniel Lanois ou o álbum homônimo que Robbie Robertson (vocalista de The Band), lançou em 1987. É quase música mística, com o poder de curar.

Essa mesma sensibilidade está presente no novo álbum. É seu decimo-primeiro disco, que mostra, de fato, o quanto esta musicalidade chegou numa espécie de ápice criativo. Novamente com The Sensational Space Shifters, Plant consegue um resultado que honra sua recente tradição. Há acenos ao Folk, à música Celta, ao que convencionou chamar-se de World Music e uma forma bastante pessoal e profunda de Blues. É um trabalho de um sujeito de 69 anos em termos líricos, mas tem vigor de sobra. Saem os hinos de estádio de 40 anos e entram em campo novas canções para o teste do tempo, caso de Bones Of Saints, da soberba A Way With Words, de The May Queen e todas as faixas de Carry Fire. É um trabalho que não deixa o ouvinte em paz até que suas canções sejam todas ouvidas e digeridas. Não há espaço para romance ou contemplação por aqui, amigos.

Plant também tem as preocupações de um sujeito com sua idade. Já viu tempos mais gentis, já se sentiu mais disposto, já fez coisas que não mais consegue fazer. Toda essa reflexão sobre a passagem do tempo está presente em sua música e não é diferente com o novo álbum. Esta percepção, no entanto, não é tristonha, condescendente ou algo assim. Há vigor, inquietação por toda parte, como tem que ser. Afinal de contas, depois de algum tempo, a vida e a existência são batalhas nas quais procuramos demorar a maior parte do tempo dando trabalho ao nosso insuperável inimigo. Plant sabe disso, claro.

Com cheiro de terra, tom de sol se pondo, a música de Robert Plant nunca foi tão interessante. Ele construiu algo intenso – como sempre foi – e misterioso, maior que a vida. E segue por aí, lançando discos, fazendo shows, expondo-se como faz há décadas. Mudado, transformado pelo tempo, em paz consigo mesmo. Caso raro em cima do palco nesses dias.

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ARTISTA: Robert Plant
MARCADORES: Artigo, Redescubra

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.