Entrevista: Rashid

Rapper comenta seu mais novo disco “Crise”, de sua temática às escolhas criativas

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Fotos: Elias Mast

2018 ganhou seu primeiro grande disco brasileiro nesta sexta, 19 de janeiro, quando o rapper Rashid colocou no mundo seu álbum Crise. Ele resultou de seu projeto Em Construção, que revelou oito singles ao longo de vários meses desde 2016, todos acompanhados de um videoclipe, com duas faixas inéditas no repertório.

Expoente do Rap e do Hip Hop em São Paulo e no Brasil, Rashid, ou Michel Dias Costa, conversou ao Monkeybuzz por telefone às vésperas do lançamento, enquanto atendia a imprensa em meio a uma agenda disputada entre as atividades de sua empresa (Foco na Missão) e o trabalho criativo com a música – temas que, como a conversa revela, influenciaram o álbum.

Monkeybuzz: Estava pensando aqui se te chamava de Rashid ou de Michel, porque acho meio estranho chamar alguém de outra coisa quando sei seu nome. Daí eu pensei em seguida que essa dúvida tem tudo a ver com o conteúdo do disco, porque eu vejo que você se apresenta tanto como resultado de seus processos internos e do que viveu, tanto quanto com uma metalinguagem de quem é Rashid como músico. Rashid: Sim, é bem isso mesmo. Na real, na real mesmo, tem uma hora que você veste a capa de super-herói e não tem mais como tirar, tá ligado? No começo, você tenta virar a chavinha de ligar e desligar, mas tem uma hora que não dá mais, as coisas começam a se misturar. E o álbum tem totalmente esse viés, porque algumas vezes eu falo do Michel como se as pessoas tivessem crescido comigo… mas acho que é porque eu estou falando comigo mesmo, tá ligado? Várias coisas que falo na música são pra mim também. Tipo quando você pensa naquela frase de efeito, vai lá e dá uma tweetada e uma pá de gente dá RT, “que tiro foi esse?” (risos) e você tava era falando consigo mesmo.

Mb: É engraçado como esses “tiros”, esses “lacres”, que hoje são tão frequentes na Web são, em uma análise mais grosseira, o que o Rap sempre se propôs a fazer. Rashid: Totalmente, mano. A verdade é que o Hip Hop vem lacrando há muito tempo (risos). A gente tem falado coisas desse tipo há décadas. “A gente”, eu obviamente não tenho décadas de carreira, mas falo pelas pessoas da música Rap. Esse teor das músicas que me despertou para a forma como vejo a vida, a política, o dinheiro, a relação de tudo isso como jovem de periferia, como jovem preto de periferia. Não dá pra dizer que é tudo tweet, o Rap de antigamente era mais “textão” (risos).

Mb: Isso me chama muita atenção em Crise, o quanto ele é um trabalho metalinguístico sobre sua relação com a cena, com o fazer Rap. O conceito do disco era esse?
Rashid: Na real, o conceito por trás de Crise era as músicas se contrariarem. Durante a carreira, o artista faz isso várias vezes, se contradiz várias vezes – mas não contradição que coloca em cheque a identidade e o caráter da pessoa, tô falando de estado de espírito. Uma hora a vida tá boa e, em outra hora, ela tá uma merda; Em uma música, o cara é super positivo e na outra, pessimista. Porque a vida é assim, e o artista, como um cara que trabalha com a criatividade, com a exposição de uma coisa que tá dentro dele e tá sujeito à aprovação ou reprovação das pessoas, eu acredito que isso acabe virando um fardo a mais. Eu quis deixar isso mais claro dentro de um disco, por isso as músicas se contrariam propositalmente. Ele nasceu da vontade de deixar claro como a nossa mentalidade funciona, e até a capa reflete isso também, aquilo de estar em um trono, de estar em um lugar de destaque, um lugar de fala, mas também está preocupado porque tem os seus problemas e as pessoas, às vezes, só enxergam sua posição de destaque e não como ser humano. E tem o contrário também, de você estar focado só nos seus problemas, mas tem alguém ali te olhando de baixo pra cima e vendo em você a posição de destaque que ela quer ter um dia.

Mb: O que você chama de “contradição” eu estava pensando como “ironia”, e Primeira Diss, pode ser, talvez, a mais irônica de todas. Rashid: Primeira Diss já é um prenúncio da Crise, porque ela é uma autocrítica. Eu peguei os comentários das pessoas na Internet, críticas feitas para mim e que eu considerava absurdas, então queria que as pessoas também percebessem o quanto elas são absurdas quando saíssem da minha boca. Teve gente que falou “que viagem”, mas é a viagem que estão falando pra mim (risos). Já começava esse lance da contradição, ou “contrariação”. E as músicas românticas são isso, eu tenho esse meu lado. Química é uma música que tem um senso de humor sim, porque a intenção é que ela fosse mais despojada, não melosa. A Bilhete 2.0, na minha visão, tá a um passo de ficar melosa, mas eu começo falando que tô com saudade e termino chutando o balde, então ela não cai para o brega.

Mb: Conta mais sobre a escolha do repertório do álbum?
Rashid: Então, são lados do Rashid, as músicas precisavam ser contrapontos – eu deixei algumas músicas de lado porque elas não estavam se encaixando nesse esquema -, todas as músicas têm seu par que as contradiz. Por exemplo, Sem Sorte e Se Tudo Der Errado Amanhã. A primeira diz que eu nunca tive sorte na vida, que eu sempre tive fé e força de vontade, uma música muito segura, e na outra eu exponho meu medo de perder meus fãs, o respeito que tenho no Rap, nas ruas, é meu lado inseguro. Cada música tem seu contraponto. Ao mesmo tempo, eu priorizei uma naturalidade, fui fazendo o que eu considerava bom. Teve música que só na hora de mixar que eu falei: “Putz, essa aqui não tá cabendo tanto no conceito, deixa pra lá”. Mas a primeira coisa era a naturalidade, e cada música precisava funcionar por si só, como foram lançadas como single, e elas precisavam em terceiro lugar comunicar com o conceito da crise.

Mb: Achei interessante notar como Em Construção, que denota algo positivo, de progresso, acabou em Crise, um termo negativo. A intenção era esse anticlímax?
Rashid: Na verdade, não, mas posso usar como se fosse (risos), na próxima entrevista eu vou falar que foi. Na real, esse nome que parece denotar algo negativo foi intencional, porque todos os nomes dos meus discos e mixtapes têm uma coisa esperançosa, de fé, e eu queria fazer não necessariamente um contraponto, mas algo que as pessoas não esperavam, se o que elas queriam fosse alguma frase pra colocar no Twitter e ficar bonitinho, daí, pá, Crise. Acho que ninguém estava esperando um nome com uma conotação tão forte, com esse teor.

Mb: Para mim, o conteúdo do disco é “pra cima”, até quando uma música chama Sem Sorte, que você ouve e percebe que tem uma mensagem positiva. Rashid: Pra mim também é um disco pra cima, não necessariamente alegre o tempo todo, mas é um disco pra frente, um disco pesado, só que um pesado na bateria, é empolgante. Por mais que o nome tivesse esse bagulho negativo, o que eu quero dizer é uma crise de humor. Ele poderia facilmente se chamar tipo “Bipolar”, mas eu achei que isso não seria sensato, porque é uma doença, uma parada séria, achei que pudesse ser de mau gosto, então eu trouxe uma coisa que mostrasse dois lados – mas não o bem contra o mau, não é 8 o 80, é o meio termo, as duas coisas ao mesmo tempo.

Mb: E “crise” é algo que todo brasileiro conhece bem. Rashid: (Risos) Ainda mais nesse momento, né? E tem a ver com isso, em um momento de crise no país, eu não vou falar que ele “veio do nada”, tem a ver com a situação do país sim, mas tem a ver também com o quanto isso não causa na gente uma crise pessoal também, tá ligado?

Mb: Se bem que crises também podem gerar algo positivo, né?
Rashid: Claro, é aprendizado. Mano, o Rap nasceu de uma crise. O Hip Hop surgiu assim. Lá em Nova York, em meio a violência, crack pra caramba na rua, no final da era das gangues, começando um movimento para começar a pacificar aquela região periférica da cidade. E aqui também. Se a periferia de lá é embaçada, a periferia do terceiro mundo é cinco vezes mais. A gente aqui também aprendeu a se virar na crise, a montar as nossas empresas numa crise que se apresentava como algo eterno, e a gente tentou achar meios de burlar nossa expectativa.

Mb: Você entende hoje o seu trabalho como pertencente a uma cena local, nacional ou mesmo mundial, visto que o discurso do Rap e do Hip Hop possuem diversos paralelos tanto em São Paulo, Salvador e Paris, por exemplo?
Rashid: Mano, eu acho que tem as três bolhas, né? Qualquer uma das três afirmações seriam corretas. Eu pertenço a uma nova geração do Rap de São Paulo, que ficou conhecida por ousar em ser empreendedora também, que ousou trazer de certa forma outros toques pra dentro da temática das músicas – quando a gente começou a fazer música romântica, era odiado por isso, e hoje é comum, e nós nem fomos os primeiros a fazer isso. A gente viu a projeção que isso causou no Brasil inteiro, tanto que meu primeiro show do disco não é em São Paulo, é em Salvador, a gente viu como isso conversou com outras quebrada dentro do Brasil, ao mesmo tempo que a gente é mais uma pecinha no quebra-cabeça que é o Hip Hop mundial. Eu já fiz seis shows nos Estados Unidos e a gente percebia a recepção calorosa do pessoal. Cara que chegava falando “mano, gostei pra caramba, não entendi nada, mas achei bom pra caralho” (risos), você vê que tem uma comunicação ali, as pessoas acabam sentindo, da mesma forma que nós não entendíamos o que Jay-Z cantava, mas sabia que ele estava falando um bagulho da hora (risos).

Mb: Há na sua música algo que também é bastante presente na cena como um todo, que é o diálogo com a cultura Pop. No disco, você cita Taís Araújo, Shonda Rhymes, John John e Rip Curl, entre vários outros. Isso acontece para situar a música no contexto cultural ou para comunicar melhor ao público? Rashid: Eu uso muito essas figuras assim, essas analogias, como uma forma de desenhar melhor o que eu tô querendo dizer, porque às vezes a gente entra, por exemplo, em uma música como Estereótipo, que, para uma pessoa que não enxerga isso, que acha que é mimimi, eu acabo usando uma figura dessas, “Quantas Cláudias se foram antes de ter a chance de ser uma Taís Araújo”. É uma herança das batalhas, na real, onde a gente zoa os caras, “você é feio tipo fulano de tal”, “essa camisa é feia tipo não sei o quê”, e acabou influenciando o som que a gente faz até hoje. O pessoal chama isso de referência, fala “esse cara usa muita referência, ele é monstro” e tal. Eu acho bem louco, porque ao mesmo tempo que você usa uma figura tão popular, a gente fala de algumas coisas que a pessoa não sabe o que é e vai pesquisar, o que acaba sendo uma missão do Rap, o cara aprendeu um bagulho novo por minha causa.

Mb: Gosto quando você fala em primeira pessoa de suas conquistas, como quando fala que escreveu um livro quando a expectativa era que você fosse analfabeto. E uma dessas vitórias é sua empresa, Foco na Missão. Como seu trabalho com ela influenciou sua mente como artista?
Rashid: Você acaba aprendendo sobre coisas que podem fazer diferença na sua carreira. Eu gosto desse lance. As minhas principais influências artísticas tem isso. O Jay-Z… (risos) talvez tenha mais empreendimentos do que música, e olha que ele não tem pouca música. É um cara que aprendeu rápido como ele poderia usar a influência dele pra fazer outras coisas, ao mesmo tempo que ele gera outros empregos.

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ARTISTA: Rashid
MARCADORES: Entrevista

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.