Pantera Negra (Black Panther, 2018), filme dirigido por Ryan Coogler baseado nas histórias do super-herói da Marvel, acontece como a celebração de um momento histórico. A onda de protestos recentes da identidade afroamericana – dos quais o movimento Black Lives Matter e o boicote ao Oscar de 2016 são exemplos – mostra como, nos últimos anos, a celebração da cultura negra transcendeu o seu papel político e agora reflete na camada cultural da sociedade.
Na música, é possível citar Lemonade, de Beyoncé ou Starboy de The Weeknd, como álbuns de Pop que, longe de serem militantes, nascem sob essa mentalidade. No cinema, Pantera Negra, super-herói cujo nome coincide com o de um dos mais importantes movimentos da história dos EUA, é a epítome deste novo momento.
Inspirado pelo movimento Afro Punk, o filme vem no recente tsunami de histórias de super-heróis no cinema. Pantera Negra conta a história de T’Challa, o rei da nação de Wakanda, hiper desenvolvida tecnologicamente por conta do metal Vibranium. Se no cinema cabe a Chadwick Boseman incorporar a figura mítica do líder herói, na música a tarefa fica por conta de Kendrick Lamar.
E quem melhor para representar esse papel hoje do que Lamar? Black Panther The Album Music From And Inspired By é um trabalho que emana a aura do rapper. Este, após ser convidado pelo diretor para compor algumas faixas para a trilha sonora do filme, assumiu as rédeas em conjunção com o coletivo Top Dawg e preparou um trabalho completo, recheado de catorze faixas. É importante notar na aderência do termo “inspirado por” no título deste álbum: é o que autoriza Lamar a ocupar o lugar de T’Challa, se não em sua história propriamente dita, em sua vibe de reverência, celebração e empoderamento.
Seus trabalhos mais recentes, To Pimp A Butterfly (2015) e DAMN. (2017) foram ambos laureados como melhores do ano, estabelecendo o artista como um paradigma do Rap contemporâneo. Se o primeiro, evocando o clima clássico do Hip Hop com samples vindos de toda a história da música negra nos EUA – Jazz, Soul, R&B, etc. -, chamava a atenção para a realidade da comunidade de Compton, exibindo o cotidiano da vida real do músico, o segundo, por sua vez, aposta forte no Pop mainstream, e coloca o artista em uma posição controversa, a de rei, messias ou autoridade, mas que pode ser traído a qualquer momento. Qualquer semelhança com a mitologia de Pantera Negra, bom, até pode ser coincidência, mas é difícil de ignorar.
O álbum une alguns temas e trejeitos conhecidos do rapper – o que é natural, se pensarmos no curto período que separa Black Panther The Album de DAMN. -, a algumas produções feitas pela cartilha. Para além disso, temos a presença de sonoridades africanas – o Gquom, por exemplo – que trazem a força necessária para um trabalho que tenha traço de identidade marcante.
Hits agradáveis aos ouvidos, que seguem o padrão de qualidade trilha sonora de Hollywood, como o single All The Stars em parceira com SZA e a balada Pray For Me, com The Weeknd, fluem facilmente pelos ouvidos como se fossem apadrinhadas por Michael Jackson. A agressividade do Rap e o clima eletrônico torto, como vimos em Vince Staples, está presente em X, Paramedic! e Bloddy Waters. O brilho fica por conta de artistas sul-africanos como Yugen Blakrok, Sjava e Babes Wodumo e o mix de ritmos intercontinentais.
Black Panther The Album Music From And Inspired By é uma trilha sonora de um filme que, assim como são os trabalhos recentes de Kendrick Lamar, é consagrado antes mesmo do lançamento. Reunindo alguns dos artistas mais alinhados com as expressões musicais contemporâneas de dois continentes, o álbum é símbolo de um momento de celebração.