Para Apreciar Belle & Sebastian

Reflexões sobre o passar do tempo da banda escocesa mostra suas melhores qualidades

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Vocês sabem bem: estivemos resenhando meticulosamente os três EP’s lançados por Belle & Sebastian nos últimos meses sob o nome coletivo de How To Solve Our Human Problems. Daí é bem natural e oportuno que a gente queira fazer um texto que fale mais do que os ouvidos captaram sobre este feixe de 16 canções, distribuídas ao longo dos três disquinhos. Talvez seja um pouco de exagero pensar que o grupo escocês optou por este formato tendo em vista algum tipo de comparação entre o trabalho atual e sua outra trilogia de EPs, lançada em 1997, Dog On Wheels, Lazy Line Painter Jane e 3, 6, 9…Seconds Of Light. Por outro lado, sabemos que Stuart Murdoch, o líder criativo da banda, não é bobo. Afinal de contas, já se vão 20 anos e hoje isso quer dizer muito mais que duas décadas, certo?

Num primeiro momento, lá por 1997/98, Belle & Sebastian parecia um grupo de amigos que resolveu lançar um disco e ponto final. E era isso mesmo. Do primeiro álbum, Tigermilk, lançado como um trabalho universitário em 1996, até hoje, muita água passou embaixo da ponte dos sujeitos e do mundo. A banda deixou seu adorável amadorismo tímido, que nunca podia ser difinido como Lo-Fi, e tornou-se um grupo próximo de um padrão normal de lirismo e produção em estúdio. Os quatro primeiros discos eram adoravelmente delicados e tímidos, uma espécie de resposta sonora a um monte de gente que não se via inserida nos contextos musicais, dançantes, culturais e padronizados do momento imediatamente anterior à virada do milênio.

Daí a chegada do grupo ser uma espécie de luva que vem vestir mãos há muito geladas pelo frio da incompreensão. Muita gente compara este momento à chegada de The Smiths, cerca de 15 anos antes, na cena musical inglesa. De fato, o grupo de Manchester evocava uma conexão com um Pop sessentista meio deixado pra lá, de cantoras, sucessos obscuros e uma aura de delicadeza e incompreensão. A diferença estava na capacidade que Morrissey tinha de converter tais sentimentos em ironia, raiva e humor negro anti-monarquia. Com Belle, no entanto, a coisa, ainda que tenha certo humor britânico, é quase zerada de causticidade.

Sendo assim, com a ascendência de The Smiths e uma pinta de, vá lá, Simon & Garfunkel, a banda escocesa ganhou o coração dos indies – quando este termo estava em seus últimos momentos de significado real – justo nessa virada de milênio. Os escoceses seguiram gravando álbuns, registros ao vivo, trilhas para filmes e mantiveram-se criativamente presentes, porém uma mudança viria em breve. À medida que os novos trabalhos vinham, algo pode ser percebido: a qualidade sonora foi melhorando, pelo menos em termos técnicos, com mecanismos de produção mais espertos e uma evolução natural dos músicos. Este dado, notado especialmente a partir de The Life Pursuit, lançado em 2006, foi transformando – sem muitas perdas – a essência do grupo e de sua própria musicalidade. Saía de cena este adorável amadorismo para dar lugar a uma banda “normal”, ainda que muito familiar a todos os fãs.

Esta familiaridade está no fato das canções, mesmo as mais bem produzidas e gravadas, ainda serem inegavelmente próprias da sonoridade de Belle & Sebastian. Afinal de contas, Stuart Murdoch segue como seu principal cérebro, compondo melodias e letras, o que nos leva a pensar numa natural evolução e amadurecimento pessoal do próprio Murdoch, o que, óbvio, aconteceu ao longo destes 20 e poucos anos. Mesmo assim, a influência do Pop britânico dos anos 1960 está presente, sendo turbinada gradativamente por outras adoráveis fontes de inspiração como Disco Music, Funk branquelo e o adorável Pop setentista anglo-americano, dando mais tonalidades sonoras, especialmente aos arranjos e instrumentação. Tal fato equipou o grupo para um cenário musical distinto do vigente no fim dos anos 1990, no qual, talvez, a delicadeza original não tenha mais tanta chance de compreensão por parte da indústria musical, sendo confundida com, sei lá, fraqueza? Falta de competitividade? Bundamolice? Falta de tesão? Não duvide.

Murdoch reflete sobre esta passagem do tempo com naturalidade. É como se nós mesmos refletíssemos sobre o que estivemos fazendo nestes últimos tempos. Mesmo que você, jovem, ainda não estivesse por aqui em 1996/97, esteja seguro/a/x que tal movimento é imparável e inevitável. No caso de Belle & Sebastian, refletir sobre o próprio passado é, talvez pela primeira vez, olhar realmente para trás e notar o quanto esta evolução rumo a um profissionalismo que parecia não fazer parte do conjunto de fatos identitários da banda em seu princípio, de fato tornou-se tão importante ao longo dos anos que já se tornou justo notá-lo com importância e intenção, não apenas algo que “foi acontecendo”. E as canções pós-2006 ainda são bastante legais, convenhamos.

É possível apreciar a banda como se fôssemos nós mesmos. Como estamos inevitavelmente mais velhos, provavelmente evoluídos em alguns setores da vida, é legal ver que os sujeitos nos acompanharam ao longo dos anos com certa naturalidade e essa sensação é boa. Tão boa quanto ouvir Like Dylan In The Movies, minha canção predileta dos sujeitos, depois de tanto tempo, e ainda achá-la sensacional.

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MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.