De Aretha a Alicia, R&B Sempre Foi Emoção e Intensidade

Mudanças do estilo ao longo do tempo sempre mantiveram suas características em grandes vozes

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Uma olhada nas paradas de sucesso e nas listas de aplicativos de streaming revelará: o R&B é um gênero que está presente com muita força na música Pop planetária. É um fato. Seja com Beyoncé e Rihanna ou com gente mais alternativa como AlunaGeorge, The Weeknd e Tinashe, o estilo está presente e mantém-se atualizado, em constante mutação. Isso faz ainda mais sentido se observarmos muito do que vem moldando o estilo em uma perspectiva bem ampla, considerando desde o início dos anos 1950.

O que acontece por lá? Pós-guerra, contingentes negros que migraram do sul dos Estados Unidos estão acomodados em lugares onde há mais chances de emprego, no caso, cidades como Nova York, Filadélfia, Chicago, Detroit. Pra manterem-se em sintonia com o que ouvem, sentem, gostam e os define, esses contingentes se acomodaram em periferias, comunidades, bairros, e se estabeleceram com sua música, religião, costumes e rituais identitários. Só que, ao contrário do sul, as populações brancas nesses lugares, ainda que racistas e segregacionistas, são menos radicais. Logo há mais intercâmbio, mistura, troca. A situação nos estados do sul também mostra esta situação, ainda que sob o peso da bota do preconceito racial. Logo vai surgir um estilo musical híbrido, negro, branco, com influências de Gospel, Jazz, Blues e Country. Antes do Rock dar as caras, o R&B será o fio condutor desse som em mutação. Em cada lugar haverá uma peculiaridade, mas, basicamente, o novo estilo será caracterizado pela mistura do sagrado e do profano, muito por conta da origem religiosa de melodias e pelas novas letras e significados que os jovens compositores (como, por exemplo, Ray Charles) irão acrescentar a elas. Podemos dizer que o R&B é uma espécie de argamassa musical, que vai fortalecer novos estilos vindouros, como o próprio Rock, o Soul e o Funk, este último, ainda cerca de dez anos no futuro.

Não teceremos muitas linhas genealógicas sobre o R&B por aqui, pelo menos, não além do que fizemos neste parágrafo anterior. O que é importante e necessário sabermos é que o estilo transformou-se em sinônimo de “música negra popular”, algo que serviu como rótulo adjacente para os já mencionados Soul e Funk, quando estes se estabeleceram, cada um em seu tempo e, em alguns momentos, coexistindo. Algum tempo depois, ainda nos anos 1960/70, o termo R&B foi designado para qualquer música negra em que houvesse a possibilidade de dança, mesmo que o estilo comportasse toda a intesidade das baladas da Soul Music, em que os arranjos de cordas e metais serviam como um adorno de beleza e possibilidade de chegar a um plano literalmente divino, outra postura herdada dos estilos negros essenciais, no caso, o Gospel. Sendo assim, misturado e presente, o R&B passou a significar música negra intensa, dançante, romântica, sensual, divina, quase tudo ao mesmo tempo agora.

Ao longo dos anos 1970/80/90, o estilo mudou de nome algumas vezes e coexistiu com Funk, Disco, Hip Hop, como se fosse um irmão mais velho, sempre presente. Tornou-se Eletrofunk, Freestyle, Urban R&B, Adult R&B, Contemporary R&B e, mais recentemente, nos anos 00/10, recebeu um novo integrante nesta família: o Alt-R&B, fruto do mundo digital, laptópico, notebúquico de hoje. Essa nomenclatura vai mudando de acordo com o tempo e marcando a evolução do estilo, ou melhor, a sua evolução. É a música negra popular recebendo informações à medida que o tempo passa e se modificano, porém, nunca perdendo elementos essenciais, no caso, a intensidade, os vocais treinados com muita técnica, o instrumental exuberante e a possibilidade de dança, qualquer uma, lenta, rápida, sensual, catártica. É como se o R&B fosse quase tudo. E é.

Um estilo tão abrangente e simbiótico não estaria confinado apenas a cantores e artistas negros. Desde cedo, notamos a presença de brancos e gente de outras etnias presentes em relações de devedores de alguma variação mais ou menos forte do R&B. É uma conquista da música popular que ele seja tão abrangente. Ao longo do tempo vimos vários exemplos, de Dusty Springfield a Joss Stone. Além dessa capacidade estética, notamos desde cedo uma forte presença feminina, mais do que o Rock, o Blues e outros estilos musicais da mesma época. Pessoas como Aretha Franklin, Diana Ross, Martha Reeves, Gladys Knight, Carla Thomas, entre muitas outras, foram influenciando e moldando os parâmetros para as cantoras de gerações seguintes, chegando até os anos 1990, quando o estilo incorporou de forma definitiva a Eletrônica e intérpretes como Whitney Houston, Mariah Carey, En Vogue, entre outras, vieram fazer a cabeça das então novinhas Rihanna, Beyoncé, Alicia Keys, Erykah Badu, Mary J. Blige e congêneres, estabelecendo a ponte entre o que temos hoje e o que havia antes.

Ainda que a música dos anos 2000 seja diferente em vários sentidos do que havia nas últimas décadas do século 20, é possível notar o fio condutor presente em todas elas: vozes, arranjos, dança e performance em shows/clipes, mostrando uma exuberância que atinge o corpo e o espírito. Não por acaso, mais e mais cantoras se engajam em carreiras que tangenciam o R&B, mostrando vontade e afinidade com a proposta original de emoção e intensidade. Mesmo que os arranjos e o instrumental tenha mudado em cerca de seis décadas, é possível identificar e distinguir alguém cantando uma obra do estilo. Gente tão distinta como Janelle Monáe, Kelela e as gêmeas Ibeyi, entre várias outras, todas unidas pela ancestralidade e, ainda assim, encontrando seu caminho próprio dentro desta estrada. Pesquise e conheça quem faz e fez a força do estilo.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.