A Bossa Nova É Foda

Quebrando as regras estéticas e apostando em romantismo, o estilo é o responsável pelo que entendemos por MPB hoje

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Se você é um leitor frequente do nosso querido Monkeybuzz, sabe que gostamos muito de falar de bandas que fazem um som “inventivo”. São aqueles artistas (no geral, jovens) que criam usando boas referências do passado, resultando em uma música muito contemporânea. No geral, é um pessoal que investe em música autoral e com uma grande tendência a realizar boas parcerias e, acima de tudo, aposta em uma estrutura desafiadora para suas composições, colocando em cheque o que as pessoas entendem por métrica, afinação e harmonia.

E é por isso que não teria como não reservarmos pelo menos um pouquinho de espaço para a já tradicional Bossa Nova. Digo, “tradicional” agora, porque ela era tudo isso aí lá nas décadas de 1950 e 1960, quando o movimento aconteceu. Como o próprio nome indica (“bossa” era uma gíria da época pra um jeitinho especial de alguma coisa ou pessoa), o estilo surgiu como algo super jovem, super cool. E, de tão bom e tão relevante, entrou pro repertório popular de qualquer um que tenha nascido depois da época.

Daí, tem duas coisas que vale a pena ter em mente sempre que você for parar pra curtir Bossa Nova. Uma delas é sacar que, se existia a canção, o samba, e uma forma de fazer a música popular (ou seja, não erudita) e o Jazz, unir elementos de cada um desses cantos não é apenas revolucionário, é quase um ultraje para os puristas de qualquer um desses lados. A segunda é aquilo que conversamos ao ouvir Quebra Azul, da Baleia, que tem músicas que fazem muito parte da nossa cultura, estão muito enraizadas na gente e você as conhece mesmo sem saber. E isso, ao invés de facilitar o processo, acaba resultando em uma distância maior entre nós, ouvintes e essas composições.

Mas, olha, é só você dar o play e algo assim e o desafio acaba sendo não enxergar o valor que estas músicas tem. Faça o teste.

Desafinado é um ótimo exemplo disso. É bem capaz que você saiba cantá-la inteirinha, ou grande parte dela, mas presta atenção e repara como a medida dos versos da letra não se encaixa direitinho nas frases da música e como a melodia é “completada” de uma maneira diferente da que a gente espera quando vai ouvir qualquer sambinha, ou qualquer canção mais redondinha, sem essas “arestas”. Você conhece desde sempre e, por isso mesmo, precisa querer entender o valor que elas tem pra conseguir enxergar o quanto essas composições são ricas.

Voltando ao que eu disse no início, é impressionante o quando os músicos do movimento ousaram quebrar as regras de estilo (em uma época ainda mais conservadora que a nossa) e fazer dessa remada na contramão sua própria estética – como diz a letra: “Se você insiste em classificar meu comportamento de anti-musical, eu mesmo mentindo devo argumentar que isso é Bossa Nova, que isso é muito natural”.

Mas é claro que isso é brincadeira. Na real, essas canções possuem uma estrutura complexa na hora de montar as melodias. Elas não são desafinadas, elas são é fora da curva mesmo, mas todas as notas e acordes fazem muito sentido na grande matemática que é fazer música. Já os vocalistas… bem, eles podem não ter as melhores vozes, mas isso acaba adicionando ainda mais charme às faixas (algo que a gente vê constantemente na música de hoje também).

Ainda sobre essas questões estruturais e de estilo, fica o exemplo de Águas de Março, uma daquelas canções que, se você não se impressiona, é porque não está ouvindo direito.

Ela foi feita uma década após a Bossa deixar de ser Nova, mas esse resgate à estética foi feito com tanta maestria dentro do estilo (e por um de seus maiores nomes, Antônio Carlos Jobim) que virou referência absoluta para o estudo do assunto.

Iniciado nas faculdades, o gênero estava totalmente ligado à cultura jovem da época, daí esse espírito livre que possui até hoje. Foi dessa fonte criativa que beberam todos os artistas que vieram depois e que, de uma maneira ou outra, são classificados como MPB, seja no Tropicalismo que veio poucos anos depois ou mesmo em praticamente todos os lançamentos que resenhamos hoje sob esse nome.

Pra alguns, a Bossa Nova é uma influência mais rarefeita, menos palpável, que vem ao longo dos anos enraizada em nossa cultura mesmo. Já em outras músicas que ouvimos bastante, as referências são até diretas. Compare estas duas:

Ou ainda estas outras duas:

Pra completar, se todas essas informações ainda não forem o suficiente para você experimentar mais Bossa Nova em sua vida, ainda tem a questão de que essas músicas são todas – independente dos outros valores – muito bonitas. Elas tem interpretações apaixonadas em letras cheias de romantismos, e 2013, com o centenário do nascimento de Vinicius de Moraes, é um ano ideal para nos lembrarmos do estilo.

Com tantas qualidades assim, ouvir Bossa Nova vai muito além de algum papo manjado de “valorizar a cultura brasileira”. Ouvimos por ser muito boa mesmo, por ela também ser uma fonte de inovação como as bandas de hoje que mais valorizamos aqui no site. E seus artistas podem ter cabelo cortadinho, barbinha feita e o terninho engomado, mas é seu caráter desafiador e criativo na maneira de fazer música que revela uma atitude que merece ser admirada e desfrutada hoje e sempre. E a sensação de se sentir em casa ao ouvir qualquer uma dessas composições é um dos maiores prazeres de ser brasileiro, pode ter certeza.

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.