Dekmantel São Paulo 2017: Cobertura Musical

Estreia de Festival Holandês em São Paulo colocou fãs de música para dançar como há muito tempo não se via

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Fotos: Dekmantel

Durante um fim de semana, São Paulo viveu um festival que há algum tempo não se via. Feito de fãs de música para fãs de música, o Dekmantel, famoso festival e selo de Música Eletrônica holandês, estreou em São Paulo em uma edição impecável que soube unir suas melhores características sem se esquecer de onde estava se inserindo: no Brasil.

No Jockey Club, local que já recebeu outros festivais importantíssimos no passado, como Lollapalooza, Free Jazz, Tim Festival e Planeta Terra, a ideia foi transformar o ambiente da maneira menos intrusiva possível, conciliando a arquitetura histórica com palcos minimalistas e pistas de dança facilmente transportáveis para outro país e época. Ali, acontecia a edição diurna do evento até às 22h30, enquanto sua parte noturna instalou-se na Fabriketa, local multidisciplinar na região industrial da Zona Leste que transformou-se nos últimos anos em um dos pontos favoritos para coletivos e festas de música eletrônica como Gop Tun (coprodutora do festival), Mamba Negra e CAPSLOCK se instalarem esporadicamente. É notório como nos últimos quatro anos o número de opções e abordagens musicais Eletrônicas vindas destes e de outros coletivos oxigenaram e renovaram a vida noturna na capital e também pelo país.

Entre os dias 4 e 5 de Fevereiro, os amantes da Dance Music puderam novamente sentir o espírito perdido do Sónar 2012 em um evento que colocava o público diante de atos que dialogavam entre si e que propiciavam movimentos necessários – seja dançando ou andando entre cinco palcos, dado que muitas apresentações aconteciam ao mesmo tempo.

Diante de tanta informação, música e apresentações históricas, este é um resumo do que o Monkeybuzz viu de melhor por lá.

40% Foda/Maneiríssimo

O menor selo mais legal do mundo é carioca e trouxe uma apresentação digna de quem quer chegar no topo sem perder sua identidade. A sonoridade do selo, formado por Gabriel Guerra e Lucas Paiva (Séculos Apaixonados), é idiossincrática aos seus demais projetos musicais, porém é totalmente diferente ao mesmo tempo: House, Groove brasileiro dos anos 1980, videogames e muito improviso foram marcas do live apresentado por ambos com participações de Lourenço de Paiva e Savio de Queiroz (do selo carioca Domina) em uma jam inspiradíssima. Alternando atos, a performance funcionou como um showcase com Guerra e Lucas apresentando suas outras personas artísticas, Repetentes 2008 e Pessoas Que eu Conheço respectivamente. A mixtape abaixo exemplifica tudo isso.

House

O gênero clássico nunca poderia ficar de fora de um festival que se propõe a agradar os verdadeiros fãs de música e nesse sentido, pode ser apreciado das mais variadas formas através de sets excelentes de Hunee – encerrando a pista Selectors do sábado com esplendor -, Ben UFO & Joy Orbison, os brasileiros Selvagem e Carrot Green, o histórico Moodymann com um passeio por diversos gêneros musicais e o norte-americano Palm Trax. Seja nos compassos marcados do House ou nas infinitas misturas possíveis com Groove, Funk, Afrobeat, Soul ou MPB, tais sets foram feitos para deixar o público dançando – quem não sabia dançar, acabou aprendendo.

Palm Trax

Música Histórica Brasileira

Colocar em um cartaz Hermeto Pascoal e Azymuth é entender muito bem a história da música brasileira. O primeiro deixou todos paralisados sem saber se dançavam ao ritmo rápido do improviso ou apreciavam a vitalidade de um músico que sempre esteve a frente de seu tempo. Já o segundo foi uma aula de Jazz brasileiro, privilégio de um dos grupos mais importantes de nossa música e figura carimbada em samples de discos de Hip Hop. Adicionar à mistura Bixiga 70 é constatar que o Groove e o Funk entoados no passado estão rejuvenescidos na atual safra musical brasileira. Realizados em um dos palcos mais legais do evento, o Gop Tun Boiler Room, com direito a sacada e mini arquibancada, as apresentações mostram que, dentro de um festival de música Eletrônica, a instrumentação sem baterias eletrônicas se comunica muito bem com o público.

Hermeto Pascoal

Techno

Outro gênero que não poderia faltar no evento, teve representantes de peso. Nina Kraviz fez um set que incendiou o palco principal em um transição entre perfeita entre a tarde e a noite. Algumas boas surpresas foram a de Anthony Parasole colocando o palco UFO abaixo, além da primeira apresentação no Brasil do japonês DJ Nobu. Sua técnica impecável fez até quem não entendia o estilo começar a olhá-lo com outros olhos. No entanto, o papel de “conversor” ficou com Jeff Mills.

Helena Hauff

Jeff Mills

Há mais de 30 anos criando, transformando e experimentando Techno, o jurássico produtor de Detroit fez uma apresentação hipnótica, sensitiva e pesada – elementos que tornaram este um dos grandes momentos de todo o festival. Ruídos e escuridão alternados com luzes estroboscópicas davam o tom de músicas tocadas e mixadas freneticamente, sempre acompanhadas da inseparável bateria eletrônica 909 de Jeff. Suas transições imperceptíveis aliadas a instrumentação de alta fidelidade chocaram e deram uma aula para todos os presentes ao longo de duas horas de apresentação.

Jeff Mills

Programa noturno com EXZ e Cashu

O lado noturno do Dekmantel ocorreu na Fabriketa e funcionou como um novo ambiente/after para quem tinha apreciado o festival durante o dia. Com um programação tão interessante quanto e mais adequada para a noite, colocou diversos DJs e produtores brasileiros ao lado de nomes interessantes como Orpheu the Wizard e o famoso residente de Berghain em Berlim, Ben Klock. Os destaques da noite ficaram com EXZ e seu live orgânico, percussivo e psicodélico e Cashu com um apresentação com os pés e o peito no Techno, mas com a sua costumeira sensibilidade e atmosfera hipnótica. Colocando tudo abaixo na pista 3, Carol fez um set para lavar a alma dos presentes e prepará-los para o que viria a seguir. Ambos podem ser ouvidos nas mixtapes lançadas durante o nosso aquecimento Dekmantel:

Nicolas Jaar

O chileno radicado nos Estados Unidos merece um texto só sobre o seu show. No entanto, podemos dizer que seu live set merece todo o hype – suas músicas são construídas de forma em que ruído, frequências e experimentação se misturam espiritualmente. O BPM em seu show foi jogado para baixo, sendo um choque necessário após uma fim de semana de frenesi. Tal escolha misturou-se ao misticismo de uma figura quase sempre encoberta por fumaça e escuridão em uma experiência emocionante – o show que terminou com um corte abrupto do som foi o indicativo que Nicolas queria encerrar seu concerto da mesma foma que o começou: seco.

Nina Kraviz

Mulheres no Festival

A presença de mulheres com sons profundos e poderosos esteve muito bem representada através de Nina Kraviz e Cashu, já citadas, mas também do lindo live da norte-americana Aurora Halal – um dos momentos de cair o queixo e tremer o chão dos presentes – além do experimental e distinto live de Luisa Putterman. Tivemos ainda Lena Willikens, Shanti Celeste, Cecilia Yzarra, Veronica Vasicka, Valesuchi e Helena Hauff (para muitos o melhor set do Dekmantel). Esperamos que a curadoria que se propôs à diversidade torne-a constante em futuras edições, pois o que não faltam são mulheres brasileiras ou estrangeiras fazendo música Eletrônica de qualidade.

Juju & Jordash

”Lives”

Um termo que para muitos pode passar despercebido, o “live” indica que aquele artista irá apresentar as suas músicas ao vivo e não através de CDJs, vinis ou DJ sets. O formato que irá apresentar é infinito, podendo haver casos como Hermeto Pascoal, que se apresentou com um grande banda, ou Aurora Halal, com bateria eletrônica e sampler. Dentro desse tipo de apresentação, destacaram-se Fatima Yamaha e Juju & Jordash. O primeiro cria uma eletrônica particular, dançante e frenética com um set que engloba sintetizadores, computadores e baterias eletrônicas. Fatima é um ótimo tecladista, algo que cria toda uma estética própria a sua apresentação repleta de Groove e gingado. Já o duo Juju & Jordash deu uma aula de improviso e Jazz moldado a Eletrônica, sem medo de soar ruidoso ou orgânico quando necessário. Para sentir a sua musicalidade, o melhor é ouvir a excelente mixtape com um show da dupla em Vancouver no ano passado:

Mistura Rítmica

Conhecendo o Dekmantel ou simplesmente assistindo aos vídeos Boiler Room de edições passadas do festival, sabia-se que a identificação entre público e artistas seria profunda – ritmos dançantes de todo o mundo são tocados nos festivais. Na edição brasileira, além de naturalmente encontrarmos artistas colocando músicas nacionais para tocar, como Dekmantel Soundsystem, Hunee e até Nicolas Jaar, os grandes destaques de misturas sonoras ficaram por conta de Awesome Tapes From Africa (um dos blogs musicais mais legais do mundo) que fez uma apresentação apenas com fitas K-7 de música africana e o histórico Moodyman que deu uma lição de musicalidade aos presentes. Transitando entre House, Deep House, Techno, Soul, Música Brasileira e outros estilos, o produtor fez um set chocante que mostrava subliminarmente que todos os sons por fim, estão conectados de alguma forma se a proposta é fazer dançar.

Red Light Radio

Produtores e DJs Brasileiros

Com uma seleção que abordou diferentes festas, coletivos e artistas, o número de apresentações brasileiras foi bastante considerável. Passando por Gop Tun com Gui Scott, Caio T, Mamba Negra com Cashu, Zopelar, L_cio e CAPSLOCK com Tessuto, além de Selvagem, Márcio Vermelho, Davis e Carrot Green, assim como o palco mais charmoso, dividido entre as rádios Red Light Radio x Na Manteiga com Paulao, Jurassico, Tahia e Benjamin Ferreira, o que não faltou foi abertura e percepção ao que acontece e já aconteceu em termos de DJs e produtores brasileiros. Podemos perceber que a relação e quantidade só tende a aumentar e se valorizar com o tempo.

A estreia do Dekmantel em território brasileiro não poderia ter sido mais vitoriosa: repleto de artistas gabaritados, novos nomes e uma curadoria que se preocupou não só com o presente, mas também com o passado da música brasileira. O festival mostrou que ainda se pode criar eventos feitos para fãs de música. Renovado para 2018, as próximas edições prometem ser ainda melhores – e, provavelmente, mais disputadas.

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Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.