Ouça: Igapó de Almas

Enraizado em Psicodelia e improviso potiguar, grupo traz experimentações espirituais em seus primeiros relatos

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Antes do genocídio, havia tribos, culturas e povos que podem ter se perdido no processo de colonização do Brasil. Antes do progresso, uma vasta e diversa fauna e flora eram notórios em nosso país. A mata do Igapó permanece entre os requícios de nossa história e nos remete ao misticismo de uma Mata Atlântica profunda, densa e submersa em seu ecossistema inundado. Com raízes fincadas na água e corpo exuberante para fora, é facilmente colocada no imaginário de sonhos viajados e espirituais. Talvez por isso o nome e o som do grupo Igapó de Almas faça tanto sentido.

Formada pelo músico Pedras Leão e o guitarrista Walter Nazário, uma das cabeças da banda Mahmed – projeto instrumental potiguar dos mais interessantes surgido nos últimos anos no Brasil- , Igapó de Almas se assemelha com seus irmãos a partir de algumas sonoridades e também pela sua história, apesar de caminhar por trajetos distintos. Também nasceu de músicas gravadas esporadicamente desde 2011 e que precisavam receber a luz do dia. Também coincide com a falta de crença nessa “quase-banda”, invólucro que foi quebrado quando A, primeiro disco, foi lançado no ano passado e que pareceu mudar o destino desta reunião.

As coincidências históricas acabam aí e o duo se tornou um quinteto com o acréscimo dos músicos Henrique Lopes, Renan Amantéa e Thiago Lândera. Sob aspectos sonoros, é fácil sentir pontos de tangência entre as bandas, principalmente pelas guitarras limpas e cristalinas de Walter, que aparecem em Aboio ou Amor, e pelos pés no improviso e experimentação. Dadas tais circunstâncias, Igapó de Almas segue seu caminho ao se enquadrar em sua sonoridade particular e usar de outros elementos para se tornar uma banda. Vozes, melodias e a canção popular passam por A sem deixar espaço para que as coisas se tornem quadradas. Experimentar a vida e colocar o ouvinte dentro de uma floresta sobrenatural são os lemas subjetivos que podemos capturar da consciência do grupo.

Alegria, com a participação de Almerio, proporciona leveza pelo instrumental calçado no Dub e em sua melodia espirituosa. As almas do título não são um mero adereço publicitário, mas a prece aos seres que nos deixaram e que dominavam nosso território. Vozes indígenas aparecem no ritual de Aboio, enquanto a percussão tribal surge na belíssima e arrepiante Amanhecendo, com Isaar França. As parcerias com cantores e cantoras são ideias para dar amplitude ao som Experimental do quinteto e coincidem desejo com expressão, além de fazerem da presença de voz o estímulo certo para que o ouvinte se solte ainda mais em sua viagem. A Maçã com Laya Lopes – moderna e com toques de Jazz – ou a psicodélica Até Sonhar com Olívia Fancello são exemplos sensorais do que o Igapó traz em sua música.

Sem se esquecer que ainda são músicos cheios de expressão por si só, as faixas instrumentais de A caracterizam viagens lisérgicas que parecem nos deixar mais próximos de nós mesmos. É impressionante a autocompreensão que Abruxa traz ao ouvinte sem dizer uma palavra se quer – o vento e a distância são algumas figuras do imaginário que surgem na faixa. Já Aiyra Rohayhuva’erã coloca o o ouvinte em contato direto com a mata e a natureza em um experimento antropológico relaxante. Espiritual e respirando os melhores ares musicais que Natal e o Rio Grande do Norte podem oferecer, Igapó de Almas é um projeto que merece a sua atenção. Mostra que os potiguares possuem uma sensibilidade ímpar enquanto viajam na psicodelia e no experimentalismo ancorado no espírito instrumental do sincero improviso.

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Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.