Ouça: gorduratrans

Shoegaze e Noise Rock respiram a plenos pulmões no Rio de Janeiro

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Existe um sentimento que dificilmente se adequa à juventude: resignação. Parece contra intuitivo pensar que, diante da imensidão de tempo e vida à sua frente, alguém com menos do que 20 anos possa aceitar tópicos, jargões e dogmas considerados verdades absolutas. Ao mesmo tempo, viver em sociedade é sempre um exercício hercúleo de debate, combate e, muitas vezes, pouca aceitação – o dominante é “o certo, distinto e o aceito”. Gostar de Rock e ser jovem, sinônimos não tão distantes, mas talvez decadentes após sua saída do mainstream no começo do século 21, pode ser um dos exemplos em que, mais uma vez, a juventude escolhe não se resignar, mas agir a seu favor.

No Rio de Janeiro, existe um movimento barulhento que contrasta com o sufoco carnavalesco e “bailante” na cidade e vem sob a forma de lançamentos constantes dos selos Transfusão Noise Records e Bichano Records, que encontraram formas de manter vivo o espírito roqueiro independente na capital, sendo o segundo dono de um pérola musical em 2015.

gorduratrans, em letras minísculas, é um desses fenômenos que nascem do vácuo deixado pelo Shoegaze e Noise Rock, e que faz muito sentido quando visualizado como expressão juvenil combativa. Surge sem esperanças além de seu autoconhecimento – por isso faz tanto sentido e, não obstante, figurou em listas de veículos musicais brasileiros como um dos grandes lançamentos do ano passado. repertório infindável de dolorosas piadas, pequeno e denso relato de estréia do duo carioca, é imenso e até espacial como pede o jogo de pedais para tais gêneros, mas tem em suas letras os pequenos sentimentos imediatos de desfechos amorosos recentes, o olhar distante no contato diário e a transposição de tudo isso através de camadas distorcidas de guitarra.

Ao longo de 21 minutos, nos defrontamos com temas sentimentais, lentos em sua maioria e com melodias precisas em seu núcleo – o contraste ideal para que fãs de My Bloody Valentine e Yuck se encontrem em terras brasileiras. Faixas como confusão, silêncio ensurdecedor e o maravilhoso single você não sabe quantas horas eu passei olhando pra você mostram que loops sobrepostos de pedais de guitarra dão conta da criação de um som aberto e gordo, enquanto a voz, limpa e cristalina, traz a esperada melancolia fluminense. O nome do disco, que nasce de uma referência a Ludovic e a música Nas Suas Palavras, também contém uma referência direta ao grupo paulista na raivosa sozinho e babaca.

Quando o duo resolve acelerar, nascem as efervescentes hércules quasímodo (instrumental) e a melhor música, vcnvqnd, soco na cara de quem tem saudades de um Yuck direto ao ponto. Viciante, tem um riff de guitarra que vale um disco inteiro e que se relaciona com a busca pelo significado na vida em alguns poucos acordes. Por fim, se as diversas referências usadas no trabalho se mostram extremamente bem escolhidas – nome do disco, sample de voz de Thurston Moore retirado do filme 1991: The Year Punk Broke e diversas inspirações musicais que podem ser vistas no minidocumentário inserido nesta matéria – , não podemos deixar de considerar o nome escolhido por Felipe Aguiar e Luis Marinho.

A gordura trans é o vilão e o contraventor, assim como o Rock ousou ser em alguma período de sua história. O estilo, que já foi chamado de “morto e irrelevante” no Brasil e mundo afora, está presente em alguns atos isolados, combativos e não resignados – sendo na verdade, gorduratrans um bem necessário ao resto e um suspiro de esperança aos jargões estabelecidos e aos lugares comuns encontrados por aí. Por fim, significa intrinsecamente o que é ser jovem: não se sujeitar ao que é imposto. Para ouvir até os seus vizinhos se incomodarem com o “barulho”.

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ARTISTA: gorduratrans
MARCADORES: Ouça

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.