Resenhas

Natalie Merchant – Natalie Merchant

Obra delicada e bonita marca o retorno de uma das mais marcantes vozes dos anos 1990

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Ano: 2014
Selo: Nonesuch Records
# Faixas: 11
Estilos: Folk, Pop Folk, Folk Rock
Duração: 49:14
Nota: 4.0
Produção: Natalie Merchant

Não é exagero dizer que Natalie Merchant é dona de uma das vozes mais emblemáticas dosanos 1990. Ao lado de Eddie Vedder, que forjou (para o bem e para o mal) uma escola de cantores prestes a ter suas cordas vocais explodindo em meio a graves emocionais, Merchant recuperou uma tradição de belas vozes, com um registro emocional, quente, generoso e atemporal. Quando estava a bordo de 10.000 Maniacs, ela era a figura feminina miúda à frente da banda, nunca pequena ou intimidada, algo que apenas sua voz e suas belas letras afirmavam com tranquilidade. Em 1995, após quase uma década com o grupo, Natalie partiu para a carreira solo, com um belo álbum, chamado Tigerlilly. Sua música, sempre oscilando entre as tradições mais urbanas do Folk e o Rock alternativo inglês dos anos 1980, mostrava que escolhia o primeiro caminho, de forma natural e gentil.

São sete discos em 19 anos, sem qualquer pressa ou modernidade. Natalie parece gravar seus álbuns para si, sejam trabalhos temáticos como o teatral Ophelia (1997), a coleção de covers Folk The House Carpenter’s Daughter (2003) ou o apanhando de canções infantis Leave Your Sleep (2010), todos amarrados por um único conceito: são discos de Natalie Merchant, algo que, se parece óbvio, mostra uma artista com segurança e autoconfiança capazes de se apropriarem de ideias e conceitos com a simples intenção de oferecer sua visão, seu testemunho. Sintomático é o mínimo que podemos dizer deste mais recente álbum, homônimo, elegante, esparso, como se Natalie quisesse que os fãs a vissem de forma, digamos, mais completa e desinibida. Parece que o tempo não é um fator a ser levado em conta por aqui, as canções têm arranjos simples e marcantes, poderiam ser produtor de gravações de quatro décadas no passado como de algum moleque revisionista tentando buscar a pureza do Folk e a gentileza do Rock numa América em preto e branco qualquer.

Ladybird é o ponto de partida da jornada musical. Há violoncelos, pianos, coros, mas tudo para quando a voz de Merchant surge absoluta. O tempo também não passou para suas cordas vocais, em plena forma. Tudo parece gentil, como num álbum de Joni Mitchell por volta de 1975. Maggie Said é mais soturna, mais acústica, menos expansiva, com cara de vidraça molhada pela chuva da tarde. Texas é mais uma canção para viajar de ônibus, serve muito bem como trilha sonora para viagem em que a gente mais deixa algo para trás do que parte em busca de um novo destino, se é que me entendem. O Furacão Katrina é o tema central de Go Down, Moses, talvez a canção mais 10.000 Maniacs do disco, cheia de bateria marcada e pianos elegantes. Mais sombra, mais cinza e mais chuva chegam com Seven Deadly Sins, lírica, pessoal, quase em forma de coração. Giving Up Everything é outra incursão pelo lado cinza da Força, quase uma canção de inventário de quem volta da guerra, não das grandes batalhas por território, mas aquelas que travamos todos os dias, seja pra acordar, pra dormir, pra fazer determinadas coisas que não entendemos para o quê realmente são.

Black Sheep é o máximo de exotismo e surpresa que Natalie oferece: a introdução com saxofone tenor e um certo andamento de marcha fúnebre de Nova Orléans pontua a canção sobre ser algo diferente em meio à mesmice. Arranjo moderno de baixo/bateria é o concreto sobre o qual Merchant ergue uma inusitada canção aerodinâmica meio funky, com órgão à espreita e maestria para revisitar Rickie Lee Jones, cantora criminosamente esquecida do fim dos anos 1970. Uma introdução decalcada do Charleston antecede Lulu, canção dolorida e executada com piano preponderante, que antecipa o fim de tudo com a apoteose de cordas clássicas na sintomática The End.

O provável único pecado em Natalie Merchant é justamente a opção pela delicadeza dos arranjos mais acústicos, pela lentidão e a não pressa em terminar nada, pela delicadeza e pela confiança que o ouvinte entenderá todas essas escolhas como se fosse um fiador do próprio disco. Quem firmar esse compromisso com Natalie, terá em troca uma visão privilegiada da alma da cantora, envolta em belas canções. Talvez a melhor recompensa.

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MARCADORES: Folk, Folk Rock, Pop Folk

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.