Resenhas

Mark Lanegan Band – Phantom Radio

Novo álbum do artista mistura anos 1980 e escuridão

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Ano: 2014
Selo: Heavenly Records
# Faixas: 10
Estilos: Rock, Rock Alternativo, Eletrônica
Nota: 3.0
Produção: Alan Johannes

Mark Lanegan se especializou a fazer uma atualização pós grunge de uma certa sonoridade praticada por Johnny Cash. Esta foi a interessante a definição que o jornal inglês The Guardian fez sobre a carreira do ex-vocalista de Screaming Trees, e dono/participante de vários projetos secundários bem legais. Os ingleses não estão errados, pelo contrário. A própria imagem de Lanegan, a associação entre tortura da vida com exorcismo de vícios e maldade através da música é fruto dessa mistura entre passado e presente. A natureza aventureira do sujeito em termos de criatividade e ritmo de trabalho fornece a parte final de equação: Mark é um workaholic, que pensa no presente como meio de atingir a salvação que só o futuro e a certeza de sua existência podem fornecer. Como faz parte de seu identikit musical/comportamental, é melhor conseguir tudo agora mesmo, pois o amanhã é, certamente, pior. É estranho, mas a danação e a crueza da vida alimentam a música de Lanegan e seus ouvintes gostam deste safari pelo lado negro da Força. Com ele no papel de guia. É como ser perseguido pelo robô de Yul Brinner no parque de diversões deserto daquele filme Westworld – Onde Ninguém Tem Alma. Se não viu, veja.

A Mark Lanegan Band é composta por ele e Alain Johannes, multiinstrumentista e produtor de gente como Queens Of The Stone Age, Chris Cornell e Jason Falkner. Johannes pilota o estúdio e assume a execução de vários instrumentos, além de fornecer o conceito para o álbum: uma viagem pela noite com sonoridade Tecnopop oitentistas dosadas e mantidas sob controle para não desandar a alquimia entre essa abordagem e a escuridão de Lanegan. O resultado não pode ser classificado como “leve”, mas está longe de ser estranho ou antipop. A eletrônica programada por Johannes funciona discretamente e a presença de Lanegan confere o certificado de qualidade que Phantom Radio precisa. Lanegan também cooperou nesse sentido, mostrando esboços das canções, feitos a partir de um aplicativo para smartphone.

Há timbres intencionalmente datados por todo o disco, mas o início, com Harvest Home lembra mesmo alguma canção deixada de lado por The Byrds no início dos anos 1970. A batida eletrônica desavergonhada (no bom sentido) e os teclados espaguete pontuam a canção. Judgement Time é sofrida e rastejante, apenas com a cama de sintetizadores vintage fazendo companhia para a voz roufenha de Lanegan falar sobre o fim da linha num romance empoeirado qualquer. Floor On The Ocean parece alguma banda de adolescentes americanos tentando criar uma canção do Genesis de 1982. A voz de Lanegan é o contraponto para a sonoridade intencionalmente amadorística, novamente bem engendrada por Johannes. The Killing Season tem mais timbres datados de bateria e guitarra mas a negritude retorna no Blues estilizado e sintético que é Seventh Day.

I Am The Wolf é um lamento estradeiro ao por do sol, cheio de nuvens sinterizadas e instrumental dramático. Torn Red Heart, grandiosa e espaçosa, é um aceno involuntário de Lanegan às produções de Phil Spector e seu wall of sound. Waltzing In Blue é outra homenagem à estética oitentista de canções pop, com palmas sintéticas e tudo mais, abrindo caminho para The Wild People, novamente se equilibrando entre a canastrice musical deliberada e a profundidade do drama que Lanegan sugere. O grande momento do álbum está em seu final. Death Trip To Tulsa não tem nada de engraçado ou curioso. É marcha suicida no meio da noite, exorcismo de demônios do passado, tentativa de desatar nós do presente e uma neblina dos filmes de Stephen King no horizonte. É Lanegan, sem firulas.

A tentativa de usar timbres e estéticas oitentistas é válida e inusitada em termos de Mark Lanegan. O resultado é bom, apesar de não ultrapassar o limite da curiosidade na maioria das vezes. Sabemos que ele é capaz de mais e que estará de volta em pouco tempo, com mais um atestado de vida em forma de feixe de canções.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.