Dadas as possibilidades de descartabilidade no trabalho de um artista Pop, no sentido Mainstream do termo, Cee Lo Green é um cara bem acima da média que vemos e ouvimos por aí. O sujeito tem inegável carisma, é o que poderíamos chamar de “flamboyant”, ou seja, um cara extravagante no jeito de vestir, nas apresentações, na própria imagem que cultiva, fazendo o estilo “gordoidão”, gente boa, variando seu repertório midiático com aparições em programas de calouros modernoides na televisão, ou em papel importante em filmes como o excelente Mesmo Se Nada Der Certo. Mas Cee Lo não é só simpatia, o cara tem significativa parcela de talento no coquetel musical que oferece.
Descontadas as participações em seu grupo de Hip-Hop original e no projeto Gnarls Barkley, Heart Blanche é o quinto álbum da carreira do sujeito, o terceiro depois que o planeta inteiro passou a saber de sua existência, quando surgiu a bordo dos vocais de Crazy, um dos grandes sucessos dos anos 2000. A proposta de Cee Lo neste trabalho é colocar sua infância de moleque urbano de Atlanta, Georgia, à mostra para o ouvinte. Ele tem o cuidado de não restringir seu espectro sonoro apenas à música negra, abrindo espaço generoso para a chegada de influências como New Wave, Hard Rock e as eficazes canções Pop das paradas dos anos 1980, seu ponto de partida estético por aqui. As passagens são interessantes, o time de produtores segura firme os arranjos e tem o cuidado de não poluir as faixas com uma eletrônica estéril que unifica a maioria do Pop atual e confere terrível uniformidade aos artistas contemporâneos. Cee Lo escapa disso e de soar como se fosse nostalgia. Diria eu que Heart Blanche está no ponto.
O início do disco é totalmente branquelo, no melhor sentido, com nosso amigo passeando por sonoridades Technopop agradáveis, com sample de Philadelphia Freedom, de Elton John, safra 1976, dando o tom de Heart Blanche Intro, que deságua na simpática Est.1980, na qual a ambiência é totalmente composta por aquele clima tecladeiro de fliperama que as canções exibiam naquele início de década. Logo em seguida, Mother May I surge como se fosse uma revisita de canção negra da época, com vocais Gospel e clima solente de resposta. Working Class Heroes (Work) tem em seu espírito alguns elementos de Don’t Stop Til Get Enough, canção emblemática de Michael Jackson, safra 1979. Tonight é solene, mas também pega emprestado alguns riffs de teclado de canções Pop tecladeiras de bandas como Asia ou Boston e Robin Williams, homenagem ao falecido comediante, tem mais cara de canção negra, com boa alternância entre batidas e samples vocais percussivos e bateria e baixo reais.
O grande charme do álbum é soar como um coeso apanhado de estilos e nuances, tudo muito bem amarrado pela presença na formação de Cee Lo como artista, cantor e tudo mais. Sign O’The Times é canção funkeada e reflexiva, Cee Lo Green Sings The Blues é um abraço ao cafona intencional, mas que derrapa na autoindulgência, dando espaço para a melhor canção do álbum, Music To My Soul, que tem certa semelhança com o megahit Crazy, que colocou Cee Lo no mapa via Gnarls Barkley. Race Against Time é outra belezinha Funk, cheia de malemolência, com curiosa presença de bateria e clima de passeio no carro dos pais no domingo de manhã. Better Late Than Never é outra maravilha de perfeição Pop do início dos anos 1980 hoje, com teclados e melodia lindos, sucedida por Smells Like Fire, com vocais harmoniosos e clima de paz mundial. Purple Hearts é mais sóbria, com espaço de sobra para Cee Lo mostrar sua exuberância vocal com refrão cheio de balanço e certo abraço ao Jazz Pop mais legal. A dobradinha final tem Thorns, com bateria spectoriana e clima de hit dourado dos anos 1960 e The Glory Games, que também tem pedigree nas boas canções da Motown Records, lá por 1964/65.
Cee Lo está tranquilo, reinando bonachão neste negócio de fazer música Pop, sem esquecer da qualidade e da importância que boas canções, bons arranjos e um certo conceito podem ter na confecção de um álbum. Seu Heart Blanche é um produto para consumo em escala planetária com conteúdo muito além da descartabilidade.