Resenhas

Kendrick Lamar – untitled unmastered.

Disco de sobras de estúdio do rapper ajuda a entender sua relevância para a música contemporânea

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Ano: 2016
Selo: Aftermath/Interscope (Top Dawg Entertainment)
# Faixas: 8
Estilos: Hip Hop, Rap
Duração: 34:06
Nota: 4.0

Kendrick Lamar não faz sentido. Mas untitled unmastered., seu mais recente lançamento, ajuda um pouquinho a entender a proposta de um dos maiores e mais relevantes nomes da música contemporânea.

De surpresa, o músico lançou um disco/EP/mixtape contendo oito faixas sem título, apenas numeradas e acompanhadas do que aparentemente é a data em que foram escritas. Não é correto dizer que é uma reunião de faixas inacabadas, mas elas foram claramente lançadas sem o polimento e detalhes necessários para que ficassem mais coerentes com as demais de To Pimp A Butterfly.

Esse álbum, seu lançamento do ano passado e responsável por alçá-lo a um patamar previsível pela qualidade de seus trabalhos anteriores, mas ainda assim impressionante, quebra todos os padrões do que esperamos de algo que chegue neste nível de reconhecimento e popularidade. Não me lembro da última vez que vi um artista popular, em qualquer gênero, lançar tantos álbuns sem a menor preocupação aparente em soar Pop, em ser acessível, a seguir tendências. Kendrick a toda hora provoca o sistema, bota em dúvida nossas crenças, quebra estruturas melódicas e mesmo assim não sai dos programas de televisão e da lista de discos mais vendidos.

O fato de ele ter lançado um disco de “sobras”, com um degrau de ousadia e produção bem inferiores a To Pimp A Butterfly e mesmo assim ter grandes chances de terminar como um dos melhores discos de Hip Hop do ano reforça o lugar do rapper na música hoje e explica muito como ele mesmo enxerga seu trabalho.

A linha de qualidade que separa faixas como untitled 02, untitled 05 e untitled 06 (com participação de Cee Lo Green) de estarem presentes em algum dos álbuns “principais” da discografia do músico são praticamente invisíveis. Mas percebe-se que o que pesou para Kendrick foi querer deixar TPAB mais amarradinho, mais coeso, característica que realmente não está presente em untitled unmastered, que apesar do mesmo nível de ousadia e experimentação, contém faixas menos memoráveis e agradáveis de ouvir.

Kendrick discute aqui, temas como o perfil destrutivo do ser humano, fama, religião, racismo, desigualdade social e amor, com a mesma intensidade, tocando na ferida, produzindo faixas desconfortáveis de serem ouvidas. O rapper, neste e em seu disco anterior, tem tentando ao máximo fugir do prazer instantâneo. Dar o play em uma de suas faixas é ser afogado em um mar de referências, versos com muito significado e estruturas não convencionais, com influências do Jazz e do próprio Hip Hop, mas não na vertente mais popular conhecida atualmente.

O músico flerta o tempo todo com a origem do estilo ao qual pertence, mas se distancia demais da produção atual ao experimentar um pouco mais e com isso perder o caráter “trilha sonora” que a maior parte dos álbuns de Hip Hop possuem hoje. Questiono o quanto suas músicas são feitas para ouvir no carro com os amigos ao invés de serem apreciadas numa poltrona confortável acompanhado de um drink – por mais estranho que isso pareça ao falar do trabalho de um rapper.

untitled unmastered. não é um trabalho obrigatório para quem quer conhecer a discografia de Kendrick Lamar, está longe de ser um bom ponto de partida para apreciá-lo, mas é um ótimo complemento para quem acompanha sua obra. O fato de faixas com tanta qualidade terem ficado de fora de To Pimp A Butterfly mostra a clareza de pensamento do artista, que entende que por mais que tenha muita coisa errada para apontar no mundo, é preciso ter clareza no discurso e paciência para que sua mensagem seja bem interpretada e consiga impactar o mundo da maneira que ele vem conseguindo nos últimos anos.

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MARCADORES: Hip Hop, Rap

Autor:

Nerd de música e fundador do Monkeybuzz.