Resenhas

Damien Jurado – Visions of Us On the Land

Novo álbum amplia sonoridade folk “maior que a vida” do anterior

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Ano: 2016
Selo: Secretely Canadian
# Faixas: 17
Estilos: Folk Rock, Rock Alternativo, Singer-Songwriter
Duração: 52:02
Nota: 4.5
Produção: Richard Swift

Em janeiro de 2014, há mais de dois anos, portanto, tive o prazer de resenhar o belo Brothers And Sisters Of The Eternal Sun, o álbum antecessor deste impressionante Visions Of Us On The Land, cortesia de Damien Jurado. Naquele texto, eu dizia que Jurado é um habitante de um Estados Unidos da América que não conhecemos e que seus discos são crônicas deste mundo oculto da maioria das pessoas, inclusive de grande parte dos americanos. A impressão segue intacta e amplia-se bastante neste novo trabalho que Damien nos entrega hoje. O país segue o mesmo, a massa opaca de excluídos segue seu movimento nas sombras das notícias e a narrativa desta epopeia cinzenta surge em cores vibrantes que não parecem deste mundo. Os vocais, o instrumental, as impressões, tudo compõe um painel tão bonito que os limites impostos pela geopolítica se derretem ao por do sol e, pelo menos para um brasileiro de meia idade, as sonoridades, a voz, as memórias que este novo álbum suscita se assemelham a um jovem Milton Nascimento, que só é possível numa distorção do espaço-tempo.

Vejam, este é um álbum belíssimo, chega a doer. O ponto de partida de Damien é o Folk Alternativo, mas ele não usa os climas de violão e efeitos para despertar algo triste ou melancólico, tampouco é algo animado demais. O que surge é uma tentativa – muitas vezes bem sucedida – de recriar tonalidades do dia, das árvores, das cidades, das pessoas em som. Não é uma viagem – pelo menos não é um das surgidas a partir de algum aditivo químico – mas as canções de Damien Jurado parecem evocar ambiências vocais que cruzam Crosby, Stills, Nash & Young com Clube da Esquina, misturando-as com magistrais sonoridades de estúdio, pilotado pelo mesmo produtor do álbum anterior, Richard Swift. É uma psicodelia das Montanhas Rochosas, idílica, não-doidona, que surge como se a própria vida não fosse possível ser de outro jeito.

Não há diferença perceptível entre este disco e o anterior. É este mesmo painel maior que a vida surgindo no horizonte. Enquanto a música nos obriga a enxugar as descrições que surgem na mente para ela, belos espécimes, com esqueleto de canção pop, vão aparecendo no caminho. Lon Bella é o melhor exemplo, com uma narrativa que parece seguir o traçado de uma estrada no meio do deserto, carros passando na direção contrária, sol azul, frio no rosto e um destino ignorado. Violões, cordas, teclados, tudo conspira para dar à voz de Jurado um status de verdade, seja qual for o assunto. Sam And Davy mostra o tanto de Neil Young folkster surge nesta narrativa tão americana e tão essencial. Mellow Blue Polka Dot também vai nesta direção, lembrando demais alguma canção sessentista que nunca ouvimos, que talvez tenha ficado engavetada e só viu a luz do dia neste momento. QACHINA é puro espaço aberto, grande paisagem, céu azul, montanhas ao longe, enquanto efeitos na voz e na levada simples de violão, voz e percussão dão o tom de estranheza que faz toda a diferença.

É possível também experimentar o resultado de um downsizing instrumental nesta narrativa. A lindíssima Prisms mostra o quanto de lirismo e beleza violão-voz é possível colher por estes prados. Mas a tendência do álbum é mesmo a alquimia eletroacústica que Swift obteve no estúdio, contaminando tudo por onde passa, desde a beleza do vocal de ONALASKA, as discretas guitarras palhetadas em TAQOMA, passando pelo som de vento solitário na noite que introduz a belezura de melodia de On The Land Blues, quase na encruzilhada entre a música ambiente de um Daniel Lanois e o próprio som do planeta. Algo mais próximo do Rock Psicodélico mais clássico e sessentista permeia Walrus, mas o clima reinante é restabelecido em seguida, na impressionante e acachapante Exit 353, outra canção do time das “maiores que a vida”.

Há algo de Nick Drake em alguns segundos de Cinco De Tomorrow, mas se o compositor e cantor inglês, precocemente falecido, ainda existisse neste mundo surreal de Jurado. A melodia belíssima de And Lorraine evoca saudade de pessoas e lugares que ficaram para trás, em alguma curva do caminho, abrindo espaço para a conjuração Pop Fantástica de A.M AM, a delicadeza de ninar em Queen Anne e o encerramento no mesmo clima, com Orphans In The Key Of E e Kola.

Damien Jurado mostra com este disco, o 12º de sua carreira, que forjou uma identidade sonora fortíssima. Sua mistura de narrativa surreal, instrumental Folk com efeitos modernos e identificação com esta ideia de América mitológica e por descobrir consegue constituir um conjunto de novidades irresistíveis. Este álbum é seu melhor trabalho até hoje, uma aula de como fazer música em altíssimo nível. Sem exageros.

(Visions of Us On the Land em uma faixa: Exit 353)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.