Resenhas

Síntese – Trilha Para o Desencanto da Ilusão, Vol. 1: Amem

Novo disco do projeto é minucioso, trazendo referências transcendentais ao cotidiano

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Ano: 2016
Selo: Matrero Records
# Faixas: 12
Estilos: Hip-Hop, Sample Based, Dub
Duração: 33:00
Nota: 3.5
Produção: Neto e Daniel Ganjaman

Aos poucos, o Vale do Paraíba revela ser o vale encantado do Rap brasileirol. Nomes fortes como Tássia Reis, com seu flow empoderado, e Tubaína, dos beats ácidos, têm sido alguns exemplos da cena cultural extremamente intensa que ocorre entre as cidades. Mas, quando atribuímos a qualidade “encantado”, temos que ficar atentos a todos os significados que isso implica. Além do sentido de “ser provido de encanto”, que é observado na construção de batidas mais elaboradas, o termo implica que há magia nas composições. Não de uma forma Harry Potter da coisa, mas de uma qualidade metafísica, levando além de propósitos terrenos. E é justamente nisso que o segundo disco de Síntese, projeto agora levado apenas pelo jovem joseense Neto, se destaca dentre os rappers do Vale.

Trilha Para o Desencanto da Ilusão, Vol. 1: Amem é um trabalho que transcende. A capa do disco, feita por Denner Alves, já revela a matéria prima com a qual Neto trabalha durante os trinta e três minutos de batidas fortes e samples bem escolhidos. Não é como se o rapper ignorasse sua vida terrena para abordar apenas temas metafísicos. Na verdade, as letras do disco são justamente uma interpretação de assuntos mortais em relação à eternidade do sobrenatural. Assim, com os fantasmas do além ao seu lado, Neto tem uma liberdade de compor letras que expõem um ponto de vista realmente único e precioso. Até mesmo a escolha dos samples é auxiliada por essa transcendência, permitindo ao projeto passear por diferentes épocas do século 20, emprestando os respectivos significados destas composições.

O álbum abre com Meu Caminho, uma faixa que deixa clara a influência da religião na obra de Síntese, seja “reacendendo a fé” ou se “elevando ao céu”. Ritual já apela para beats mais voltados para um Dubhop, ao mesmo tempo que traz esse tema metafísico para um viés mais introspectivo ao dizer “então, deixa eu me acessar para alcançar responsabilidade”. Lá Maior é a uma “louvação aos novos tempos”, trazendo referências que vão de Jah ao umbral do Espiritismo. Babilônia, Pt. 2 é visceral, remoendo temas sociais e, ao mesmo tempo, trazendo metáforas certeiras entre a cidade e a queda da Babilônia.

Gotas de Veneno é a composição mais violenta e ácida do registro, praticamente proclamando o apocalipse brasileiro em alto e bom som, tal qual as trombetas que vão anunciar tal evento. Já Novo Dia é um contraponto ao Armagedom, pois traz rimas de esperança que buscam tecer novos caminhos entre um mundo dito perdido, principalmente no verso “eu busco todo dia renascer”. Com pianos de Jazz, Religare é uma análise da dificuldade que temos de exercer a autocrença e, por fim, Gira Mundo é uma libertação, no sentido de purificar todo o processo pelo qual Neto passa ao escrever estas letras, terminando o disco com um simples e poderoso “amém”, findando sua grande oração.

Síntese entrega mais do que um disco, uma experiência. Neto revê seu cotidiano, analisando-o com uma precisão certeira. Tão preciso que necessita recorrer a metáforas, figuras e símbolos supra-humanos para explicar a visceralidade com a qual se encontra. Por meio de uma produção afiada e coesa, o projeto toma todas as precauções para que a mensagem seja completamente entendida, “equalizando, timbrando, pro som sair tapa na cara”.

(Trilha Para o Desencanto da Ilusão, Vol. 1: Amem em uma faixa: Gotas de Veneno)

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BOM PARA QUEM OUVE: Tubaína, Racionais MCs, Criolo
ARTISTA: Síntese
MARCADORES: Dub, Hip Hop, Sample Based

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique