Resenhas

Mano Brown – Boogie Naipe

Primeiro trabalho solo do rapper é uma homenagem imperdível à música negra brasileira

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Ano: 2016
Selo: Boogie Naipe
# Faixas: 22
Estilos: Hip Hop, Disco, Funk, R&B
Duração: 67:00
Nota: 4.5
Produção: Mano Brown, Link Krizz

Estar à frente do maior grupo de Rap do Brasil por 26 anos não é simples. Mano Brown sabe disso e sua figura se tornou tão enigmática quanto rarefeita ao longo de grande parte desse período. Naturalmente, a idade e o próprio sucesso o fizeram abrir portas para novos ensaios. Cores e Valores, um dos trabalhos mais ousados de seu Racionais MCs, é uma dessas provas – o disco flertou com novos gêneros e quis ser mais contemporâneo que nostálgico sem esquecer suas origens líricas e trouxe renovação. Logo, um álbum como Boogie Naipe, estreia solo de Brown, não assusta e faz muito sentido.

Seguindo o caminho contrário de Cores e Valores, o álbum não tenta ser contemporâneo e visa a nostalgia com uma homenagem à música negra brasileira como um todo. Obviamente, esse caminho cruza com as origens norte-americanas desse caldeirão musical – Disco, Funk e R&B são alguns exemplos que encontramos ao longo de 22 faixas. Curiosamente – e apesar de algumas similaridades e o contexto internacional de 2016, que colocou novos artistas em um percurso parecido como Solange e Blood Orange, influenciados naturalmente pela abertura de Kendrick Lamar -, Boogie Naipe é um trabalho que soa naturalmente brasileiro. Fechar os olhos e ouvir Mal de Amor, Boa Noite São Paulo ou Gangsta Boogie nos leva a bailes, clubes e festas conduzidos no vinil do final dos anos 1970 e começo dos anos 80 no nosso país.

Mano, que versa e divide espaço com diversas participações especiais, conduz o disco com maestria, por vezes fazendo o papel de cantor de R&B e em outras de MC, mas sempre trazendo suingue e sensualidade tão omitidas ao longo de suas passagens em trabalhos com Racionais. À vontade, o cantor parece querer fazer o disco que Tim Maia, Tony Tornado e Cassiano fariam com os recursos atuais. O trunfo é dividido com Lino Krizz, produtor do disco e backing vocal das últimas turnês ddo grupo, que traz cor, brilho e intensidade ao trabalho em suas partes cantadas. Um dos melhores momentos da obra é Mulher Elétrica, Hip Hop contemporâneo que só poderia aparecer após Cores e Valores, e que mostra que o gênero ainda é um trunfo para Brown.

Porém, o destaque do trabalho é tirar o enigma do rapper e colocá-lo no papel de amoroso e romântico em baladas como Foi Num Baile Black, com Hyldon (“ela é o bombom meio amargo”), Louis Lane – faixa que faria Lincoln Olivetti sorrir – e a excelente Dance Dance Dance, as duas últimas com participação de Seu Jorge. É curioso perceber que, em ambos os casos, Brown nunca esteve tão próximo do grande público e tão solto – os discos e artistas que o influenciaram ao longo de sua vida o fizeram chegar a esse momento e ele sabe dominá-lo tão bem. La Onda, com Nelson Conceição, é uma homenagem a Cassiano e parece sair de um vinil no momento pós-breakbeat em um baile Black.

Surpreendentemente, mesmo um trabalho tão extenso consegue se tornar prazeroso. Diferentemente de alguns discos recentes, nos quais o excesso de faixas atrapalha, cada momento parece ter sido escolhido como uma homenagem validada por Brown em Boogie Naipe. R&B sensual em Nova Jerusalém, Soul Train em Nave Mãe e trilhas sonoras de Blaxploitation – gênero cinematográfico eternizado por Shaft e músicos como Isaac Hayes e Curtis Mayfield – em Adicto são exemplos do baile proposto pelo rapper, bem sucedido e que não pede em nenhum momento para ser adiantado ou colocado de lado.

Em um ano tão importante na música negra globalmente, e que teve no Brasil outros trabalhos inesquecíveis como Rashid e MC Carol, para citar alguns pequenos exemplos, ouvir Boogie Naipe é um deleite e uma viagem no tempo sem cheiro de naftalina. Abre alas para que ouvintes mais jovens que desconhecem um dos momentos mais celebrados da música brasileira possam se conectar ao passado de uma forma tão interessante e serve como um digna e necessária homenagem de Brown a tesouros nacionais tão valiosos. É o tipo de disco que faz uma festa sozinha, por isso é imperdível.

(Boogie Naipe em uma música: Dance Dance Dance)

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BOM PARA QUEM OUVE: Solange, Blood Orange, Emicida
ARTISTA: Mano Brown
MARCADORES: Disco, Funk, Hip Hop, Ouça, R&B

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.