Resenhas

Brian Eno – Reflection

Brian Eno retorna com trabalho na linha da “música para pensar”

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Ano: 2017
Selo: Warp Records
# Faixas: 1
Estilos: Ambient, Eletrônica, Minimalista
Duração: 54:00
Nota: 4.0
Produção: Brian Eno

Brian Eno experimenta uma maré de criatividade como há muito não se via. Há menos de um ano lançou o excepcional The Ship, um disco que fazia um inventário informal de suas habilidades como “não-músico”, um termo que ele cunhou. Misturava o conceito fechado, a sutileza ambiente e ainda dava chance para revisitar uma canção do passado alheio, no caso, I’m Set Free, da lavra de The Velvet Underground em 1969. Antes mesmo do álbum, Brian já vinha lançando discos colaborativos com David Byrne e Karl Hyde, criações em que emprestava de diversas formas a sua fluência em sutilezas, seja como pano de fundo para uma linguagem musical bem diferente – caso de Byrne – ou como complemento/influência para um discípulo recente, caso de Hyde. Faltava um trabalho em que Brian fizesse uma ponte com seus famosos discos de música ambiente propriamente ditos, aqueles feitos com a intenção específica de convidar o ouvinte para outros níveis de percepção. Faltava.

Reflection é este álbum. Ele coroa este período de fluência e inquietação vivido por Eno. Não por acaso, no dia 02 de janeiro, lá estava ele, postando em sua página no Facebook, um textão no qual analisa o ano de 2016 e aponta uma visão otimista para 2017. Segundo ele, o mundo não está perto do fim. O que termina por agora é um ciclo de decadência, iniciado há 40 anos. A tendência é que iniciemos uma recuperação de dignidade, fraternidade e um mundo menos desigual surja disso. Claro, Brian não é Zygmunt Bauman, o pessimista sociólogo polonês, mas é bonito ver um criador como ele tão conectado com o mundo em que vivemos. Não por acaso, Eno adentra, no primeiro dia do ano, sua mais conhecida seara: a de produtor, criador de “música ambiente”. E o que é isso? Música que, se for boa e eficaz, tende a sonorizar suas impressões, seu pensamento, seu dia, sua noite, de tal forma que você não a notará mais. É quase “não-música”.

Claro, tecer uma tapeçaria musical com estas características não é algo fácil. Eno declarou que Reflection o reconecta com vários outros momentos de sua carreira, especialmente com quatro outros álbuns que gravou com características bem semelhantes: Discreet Music (1975), Music For Airports (1978), Thursday Afternoon (1985) e Neroli (1993), sendo que, este último ostenta o subtítulo Thinking Music, Part IV, conceito específico que Eno tenta retomar por aqui. Segundo ele, mais que “música ambiente”, o poder dos 54 minutos de Reflection, a faixa-título do novo lançamento, é “regenerativo” e “estimulante do pensamento”. Em suma, é um conjunto de impressões sonoras que vão além do formato da música popular, mas que também não se insere nos preceitos eruditos. É algo novo e se mantém assim já há mais de 40 anos.

Na única peça do álbum, Brian oscila gotas de sintetizadores que vão perdendo intensidade, sendo repostas por novas, sempre diferentes das anteriores de forma muito sutil. Em meio a elas, uma paisagem sonora se ergue e permanece como uma tela, na qual as pinceladas virão a cada intervalo de dez, quinze segundos. A partir desse mecanismo, novas informações são adicionadas ao conjunto, criando movimentos gentis e convidativos que se repetem como se fossem órbitas. Ao longe, impressões de ruídos de animais, pessoas, cidades. É tudo delicado, poderoso e com pinta de força da natureza.

A contribuição que Brian Eno traz para a música é difícil de ser mensurada. O homem é um gênio, um pensador ou, como citando a resenha que fiz de The Ship em maio do ano passado, “um Homem da Renascença”, época em que os sábios dominavam vários terrenos do conhecimento. Sorte nossa termos Brian num momento de criatividade e com fome de bola suficiente para lançar estes manifestos sonoros de quando em quando. Belezura total. Ouça com fones de ouvido.

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BOM PARA QUEM OUVE: Underworld, Peter Gabriel, Andy Stott
ARTISTA: Brian Eno

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.