Resenhas

Grizzly Bear – Shields

Grupo compõe a sua obra mais natural e precisa em um dos melhores álbuns de 2012, do tipo que fica melhor a cada vez que você o escuta

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Ano: 2012
Selo: Warp
# Faixas: 10
Estilos: Folk, Folk Psicodélico
Duração: 47:54
Nota: 5.0
Produção: Chris Taylor

Devo ter escutado umas seis vezes ao menos o álbum Shields do Grizzly Bear antes de escrever esta resenha. Tal qual um filme “cabeça”, como Donnie Darko ou Waking Life, a primeira conclusão que vem a mente ao término dos atos é “gostei mas preciso ver (escutar) de novo”. São tantas nuances que permeiam o disco, que a atenção e concentração se fazem necessárias para que esta obra-prima seja realmente aproveitada. Dentre todas as diversas vezes que o escutei, somente quando este que vos escreve sentou no sofá e colocou um bom headphone, longe do carro, do rádio, ou do excesso de informação, é que o entendimento do álbum se deu por completo.

Com os fones, logo percebi que detalhes simples, como introduções, instrumentos e orquestração de voz, foram colocados milimetricamente dentro da obra para que tudo ao fim fizesse sentido. Devaneios a parte, passaram-se três anos desde o lançamento do último álbum da banda, Veckatimest, obra Pop para os parâmetros outrora vistos da Grizzly Bear e que a levou para uma intensa turnê e um posterior período de recesso para que as baterias fossem recarregadas. Neste mesmo tempo, o grupo se tornou referência e as expectativas quanto ao lançamento de um novo disco se elevavam cada vez mais com declarações esparsas dos membros.

“Este é o nosso disco mais colaborativo em termos de composição, cru e mais direto ao ponto” é uma síntese do que o vocalista Ed Droste dizia antes da obra ser consumada. Chris Taylor, baixista, voltaria ao papel de produtor e Daniel Rossen, outro vocalista e instrumentista, se mostrava mais maduro após o lançamento de seu EP solo Silent Hour/Golden Mile,. Tudo conspirava para um álbum no mínimo interessante.

Fugindo um pouco dos lugares comuns do grupo, como o aspecto sonhador devido a atmosferas criadas por sintetizadores, efeitos e cacofonias, a Grizzly Bear dessa vez foca-se em outras coisas, mais naturais, mas tão atmosféricas quanto. Instrumentação mais precisa, orquestração e, acima de tudo, a alternância de vozes entre Daniel e Ed que trazem um lindo lirismo, quase trovador, do que é cantado. Aliás, o primeiro demonstra novas características em seu canto e é por isso o “dono” do disco mais colaborativo do grupo.

Em Sleeping Ute, faixa de abertura e cantada por Daniel, somos jogados para uma queda livre de uma grande montanha no meio de uma tempestade, em que guitarras e barulhos dão a sensação de vertigem e a bateria ao fundo “troveja”. Quando se chega ao fim, o dedilhado de violão te traz de volta do enjôo e confusão e acorda-se de um sonho bizarro e revelador.

Speak in Rounds causa uma certa estranheza quando o vocalista parece ser alguém novo na banda, mas é o próprio Daniel. Alternando o clima da música pela sua voz, confessional no começo e explosiva no refrão, os instrumentos são orquestrados para acompanha-la e toda aquela atmosfera da banda dá novas caras, com elementos mais crus e muito mais naturais. Ao final, uma quebra de ritmo tipíca do grupo é notada, entretanto é Adelma, canção instrumental que procura deixar o ouvinte ligado à unidade do álbum. O estilo se torna um argumento.

Yet Again traz Ed Droste aos vocais em um linda música, perfeita para escutar logo de manhã, com o sono ainda notável. Entre verso e refrão podemos notar o cuidado com que o disco foi feito, com notas e transições perfeitas, orgânicas. Mais fácil de ser assimilada que as primeiras faixas, esta parece ser um single perfeito. The Hunt traz outra vertente vocálica de Daniel, em uma faixa cadenciada e que segue a linha do disco em que a voz se sobrepõe a tudo. Melancolia sincera transpira através do que é dito em uma letra que explora o arrependimento: “And I want to hide it all away/Taking back all of the silly things I used to say”.

A Simple Answer é uma das melhores músicas do ano. Como um grande caminhada rumo à terra prometida, em que pessoas vão se unindo ao grupo inicial, instrumentos são jogados e acrescentados aos poucos. Após o primeiro refrão, retomamos ao estágio inicial, com somente voz e bateria, para que tudo de novo seja colocado precisamente. Dentro de um ambiente tão épico, a troca de vozes com Ed aparecendo ao final e alternando frases com Daniel, só consuma a teatralidade visível dentro dessa maravilhosa canção.

Whats Wrong é jazz puro, modal em que uma frase instrumental é feita e sempre retomada ao longo da música. A percurssão feita por Chris Bear lembra a condução de um cavalo, com os sinos da bota vibrando com o movimento do animal. Escura, e fugindo de lugares comuns, o diálogo entre os vocalistas é retomado, e tem o desfecho quase trágico, no sentido teatral, em seu refrão. O final denuncia o jazz de novo, com muita improvisação com uma linda linha de piano, bateria calma e alguns sopros esparsos.

Gun-Shy é um diálogo abstrato entre consciente e subconsciente, feito por Ed e Daniel respectivamente. Ensolarada e psicodélica, é mais um possível single marcante dentro da obra com seu ritmo dançante e letra viajada: “I put my ears to the ground/ Always pushing down (Nothing I can hear)”. Um clipe cubista transpareceria perfeitamente a sua atmosfera.

O início de Half Gate é semelhante a um filme que começa pelo fim. Em dez segundos, algumas notas no violoncelo são tocadas para, depois uma quebra de ritmo, nos levar realmente ao começo da música. Canção que enaltece as qualidades de Ed, tem a guitarra crescendo junto aos outros instrumentos e se mostra extremamente intensa quando a voz de Daniel aparece no refrão, trazendo todo o sentimento de sua voz com o violoncelo desconexo do início acompanhando-o. O final do filme aparece e faz todo o sentido com o restante da obra.

É no final épico do disco, com Sun in Your Eyes, que somos conduzidos ao cume da montanha que havíamos caido em quedra livre. A sensação de escalada devido ao crescimento dos instrumentos, principalmente do piano, é espetacularmente conduzida pela voz de Daniel que exala sinceridade e emoção quando ao fim, sozinho, diz “ I am never coming back”. Magistralmente, o disco termina.

Shields é, talvez, o disco mais difícil de ser realmente apreciado do grupo, necessitando de um tempo para ser compreendido. Com menos singles instânteos, mas com um belíssimas músicas, é certamente um dos grandes álbuns do ano e marca o Folk atual. As vozes se sobrepondo ao resto, trazendo a atmosfera onírica do grupo, transparecem o sentimento de seus integrantes e entregam uma obra-prima que lhe fará sonhar acordado mais uma vez.

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BOM PARA QUEM OUVE: Band of Horses, Bob Dylan, Fleet Foxes
ARTISTA: Grizzly Bear
MARCADORES: Folk, Ouça

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.