Resenhas

Julie Byrne: Not Even Happiness

Cantora e compositora americana transcende o Folk em novo álbum

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Ano: 2017
Selo: Ba Da Bing
# Faixas: 9
Estilos: Folk, Folk Alternativo
Duração: 32:53
Nota: 4.0
Produção: Eric Littman

Sejam bem vindos ao mundo de Julie Byrne. Aqui temos gentileza e introspecção como palavras de ordem, transmutadas em melodias, dedilhados de violão, olhares para poentes e esperança pela chegada de determinadas auroras. Not Even Happiness é o segundo álbum da moça, nascida em Buffalo, no estado americano de Nova York, no (nem tão) distante ano de 1990. Imersa na tradição Folk, que serve de fio condutor para histórias pessoais, Julie se destaca por fatores, digamos, externos. Começou a cantar e tocar aos 17 anos, após o pai, cantor de casamentos, largar a profissão por ter esclerose lateral amiotrófica. Um ano depois a menina saiu de casa e, proverbialmente, caiu na estrada.

Morando em vários lugares e trabalhando como balconista, garçonete e até guarda do Central Park, na cidade de Nova York, Julie não teve vida fácil. Ao longo dos anos, usou a música como uma forma de diário de viagens, de relatos do que viu, sentiu, presenciou. Ela não tem pressa de compor e gravar, parece, de fato, aproveitar a vida solitária em peregrinações discretas pelos Estados Unidos. Para este álbum, no entanto, ela decidiu voltar à sua casa em Buffalo. Colocou seu equipamento nos cômodos e registrou estas nove belas canções em meio a demônios pessoais e seus respectivos exorcismos. Com uma postura bicho do mato, em contradição à sua alma de viajante moderna, Julie tem jeito pra essa coisa de cantar e compor. Sua voz é além de sua idade, suas melodias são pungentes, seu dedilhado de violão faz jus a uma tradição de gigantes e ela consegue soar como aquela sua amiga de trabalho ou faculdade, que você não imagina ser capaz de tanta capacidade de observação.

Há por aqui o cuidado de não restringir as canções do álbum a meros arranjos de voz e violão. O produtor Eric Littman tem o bom senso se colocar sintetizadores climáticos em vários números, dando a impressão de que Julie é acompanhada por um quarteto implícito de cordas ou algum solitário instrumentista oculto na multidão. O efeito é simples e belo, casando perfeitamente em vários momentos. Isso dá a algumas canções uma aura quase sobrenatural, que também cai bem. A faixa de abertura, cheia de ruídos das mudanças de cordas ao violão, dá o tom do momento em que o disco se situa na vida de Julie. Ela descreve a letra como resultado da volta pra casa, para visitar a família, fato gerador do próprio disco e de sua relação de amor/ódio com uma cidade gigantesca e única como Nova York. A partir dela vieram as outras oito faixas.

O que dá destaque a este álbum, além das qualidades já mencionadas, é uma capacidade de Julie transcender o Folk mais tradicional, ainda que sempre se valha dos arranjos voz, violão e cordas. Em pelo menos uma canção, a arrepiante Sea As It Glides, ela surge como gente grande, com uma melancolia à beira-mar que iguala alguns bons momentos litorâneos do passado, especialmente algo que a pós-Bossa Nova tinha com naturalidade total, as chamadas (por mim), canções de praia deserta, sob o céu nublado. Você sabia que estava no litoral, na praia, numa paisagem bonita e, ainda assim, a tristezinha insistente pegava no pé, puxando você para trás, com uma estranha doçura. Isso é para bem poucos e Julie consegue este reproduzir este sentimento. O final com I Live Now As A Singer é sintomático e emancipador.

Mesmo que seu processo criativo e de gravação demore mais do que o normal, o trabalho de Julie Byrne é refinado e tem nesta maturação natural um charme que a coloca além da linha de produção existencial que parece haver por aí. Um disco para ser absorvido aos poucos, com calma e noção do que estamos ouvindo. Bravo.

(Not Even Happiness em uma música: Sea As It Glides)

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BOM PARA QUEM OUVE: Ryley Walker, Angel Olsen, Jessica Pratt
ARTISTA: Julie Byrne

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.