Resenhas

Dirty Projectors – Dirty Projectors

Em nova fase, David Longstreth lança trabalho sobre a ruptura

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Ano: 2017
Selo: Domino
# Faixas: 9
Estilos: Indie, Post-Dubstep, Alt-R&B, Art Pop
Duração: 48:14
Nota: 4.5
Produção: David Longstreth

Fenômeno Indie da virada dos anos 2010, o projeto norte-americano Dirty Projectors vem, ao longo da última década e meia, projetando uma imagem distorcida de si mesmo em nosso imaginário. Apesar de incluída entre os grupos que ajudaram a definir esteticamente esse cenário musical, um dos mais proeminentes da época, a música de David Longstreth e sua trupe sempre se manteve distinta em um universo particular, agarrada às próprias idiossincrasias. Após um hiato de cinco anos a banda retorna, desta vez, com algumas mudanças estruturais decisivas em sua sonoridade.

Dirty Projectors é o oitavo trabalho de sua discografia e o primeiro, em muito tempo, de David Longstreth sem a colaboração de sua ex-parceira Amber Coffman, marcando uma ruptura na história do projeto. Fato impossível de passar desapercebido: não apenas seus temas insistentemente circundam a temática do fim de um relacionamento como, sonoramente, ele é construído a partir da ruptura em si.

Keep Your Name parece ser, de fato, a melhor escolha para a abertura do trabalho. Nela aparece, tematicamente, o conflito que marca essa nova etapa da banda. O “nome” é, em alguma instância, o que define e orienta a personalidade de alguém. Este é um rito essencial dentro de um matrimônio, no qual o nome de uma pessoa incorpora-se ao do cônjuge, partilhando, simbolicamente, uma essência que passa a coexistir em dois indivíduos. Podemos também pensar que, apesar da ruptura do casal, Dirty Projectors, a banda, continua com o mesmo nome sob o comando de Longstreth, enquanto Coffman funda, diversamente, uma nova empreitada solo. Para além disso, este é o primeiro álbum auto-intitulado do grupo, uma necessidade de reencontrar sua essência para redefinir sua personalidade.

Musicalmente o novo trabalho é o mais democrático de sua trajetória, e aponta para uma noção ampla e inclusiva do que significa fazer música na contemporaneidade. Temos, em primeiro lugar, uma herança conceitual da música experimental que vem da própria Dirty Projectors, ou de seus affairs com Tyondai Braxton ou Björk. Em segundo, temos uma assunção aberta à manipulação eletrônica das faixas, herdada de nomes como James Blake, Bon Iver ou Radiohead. Mas o território no qual Dirty Projectors floresce verdadeiramente é o do R&B contemporâneo, possibilitado pelas incursões visionárias de Kanye West, Solange e Frank Ocean nesse campo. Por isso, a voz melancólica de Longstreth se arrasta por um território instável de cliques, deslizes e ruídos sonoros que se mantêm unidos graças à força centrípeta das percussões vindas do Afropop.

A tradução visual da sonoridade contida nos álbuns de Dirty Projectors tem sido uma parcela importante do trabalho de Longstreth e os videoclipes elaborados para o lançamento da vez ilustram de maneira magistral alguns de seus aspectos essenciais. Little Bubble põe Longstreth isolado sobre um pequeno círculo de grama em meio a um deserto de sal, uma bolha confortável e imaginária que podemos criar dentro de um relacionamento idealizado – manifestação que aprendemos a encarar com amargura em tempos de pós-verdade facebookiana. Keep Your Name mostra como o artista precisou desenvolver a ambidestria para compor um trabalho sozinho. Não por acaso, o símbolo da banda, que até então mostrava duas cabeças interconectadas, agora mostra os difusores de som da parede de um estúdio, denunciando que a partir daqui sua música se faz majoritariamente entre produtor e seu instrumento de trabalho.

Finalmente, a manipulação visual de Cool Your Heart é o que define, estruturalmente, a nova etapa da banda. Trata-se, mais do que adornar a canção com artifícios eletrônicos, de instituir do DNA da música o seu próprio processo de feitura: Auto-Tune, Melodyne, mudanças de andamento, e um quebra-cabeças panorâmico são determinantes na construção da personalidade musical de Dirty Projectors.

As imagens distorcidas projetadas afinal, não são uma deturpação de algo que era originalmente puro, e sim um acolhimento da difusão no modus operandi da banda.Talvez dissonância, para Dirty Projectors, não se trate de marginalizar a música fora dos padrões estabelecidos, mas de uma estratégia inclusiva que pretende tornar a música uma realidade complexa, na qual notas que não habitam a mesma escala (numa concepção ocidental) reaprendem a conviver. Embora ainda possa ser cansativo acompanhar a mente ansiosa de Longstreth e suas evoluções harmônicas de montanha-russa, seu novo trabalho, ainda mais se comparado com seus predecessores, exibe-se ao ouvinte com desenvoltura. Afinal, a crise de relacionamento que redefiniu os limites estéticos da banda resultou, ironicamente, em um de seus trabalhos mais nítidos.

(Dirty Projectors em uma música: Keep Your Name)

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BOM PARA QUEM OUVE: Solange, Frank Ocean, Björk

Autor:

é músico e escreve sobre arte