Resenhas

Laura Marling – Semper Femina

Mais introspectiva, Laura entrega outro álbum sensacional

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Ano: 2017
Selo: More Alarming Records
# Faixas: 9
Estilos: Folk, Folk Alternativo, Singer-Songwriter
Duração: 42:15
Nota: 4.5
Produção: Blake Mills

Lembro de ter resenhado o disco anterior de Laura Marling, Short Movie, ficar surpreso com a história da moça. Largou tudo, colocou o pé na estrada por anos, voltou, gravou o álbum. A beleza das canções, a delicadeza de tudo, o clima, o ar suspenso constituía um conjunto de canções/crônicas muito bonitas. Por conta disso, a expectativa depositada nos ombros deste novo trabalho, Semper Femina, é bastante grande e Laura, bem, Laura não decepciona. Temos outro feixe de composições assombradas pelo fantasma jazzístico de Joni Mitchell, com o pedigree da Califórnia idealizada do início dos anos 1970, com colinas, verde, sociedade mais justa e tudo aquilo que parece ter ficado para trás. Engana-se porém, quem pensa que este é um disco “hippie”, é justo o oposto: é uma declaração totalmente feminina de autonomia e capacidade de enfrentar os desafios da vida.

Como o título já diz Semper Femina (sempre mulher) é um disco de e para mulheres. É um trabalho sobre impressões colhidas no cotidiano, observações, visões que têm como referência a ideia de que a distinção entre sexos como fator de privilégio, seja econômico, social, pessoal ou de qualquer outra ordem, parece – é – absurdo e que não deveria existir. Sendo assim, tendo essa premissa como conceito do disco, Laura vai desfilando narrativas que podem ser pessoais, ou não, mas que se encaixam na ideia central. O outro tema presente, ainda que não seja intenção ele tornar-se central, é a estadia de Laura em Los Angeles. Em sua casa o álbum foi gravado, com a produção de Blake Mills, responsável por alguns dos belíssimos arranjos de cordas que ouvimos ao longo das nove canções. Todas elas são lentas, calmas, híbridas e sinuosas, como se fossem movimentos naturais das coisas. Sentido amplo, latu sensu.

As duas canções que abrem o disco mostram o que Laura pretende por aqui. Soothing, logo de cara, tem uma onipresença de baixo acústico, sinuoso, gordo, pronto para pontuar com maestria todo o arranjo, introspectivo, noturno, que leva o ouvinte para uma espécie de dança em câmera lenta. The Valley é a irmã solar. Totalmente céu azul, verdejante, com amigos e boas surpresas num piquenique ou numa caminhada por alguma praia deserta. Violões se dobram, a letra fala do referencial geográfico, da vida como deveria sempre ser. É um cartão de visitas em duas partes, de dois âmbitos, mostrando ao ouvinte o que iremos ver nos próximos 42 minutos. No mesmo esquema de beleza inevitável vem Wild Fire, com uma batida marcial de bateria, que serve como ponto de cruz para prender as pontas soltas de violões, teclados e baixo, misturados uns nos outros, como se este fosse o se estado natural de existência. E os vocais de Laura, moça inglesa de nascimento, soam totalmente californianos.

A partir delas, o álbum vai encontrando sua razão de existir. Sempre no equilíbrio entre o discurso feminino e o referencial deste lugar onde ele poderia existir livremente. Muito além dessas duas bases, a musicalidade de Laura é o grande diferencial aqui. Sua voz está cada vez mais relevante, com um timbre forte. Os arranjos que Mills oferece escapam da armadilha “Folk Fadinha”, que algumas cantoras gostam, no qual aliam fragilidade e uma aura florestal repetitiva. Os contos que povoam o álbum são urbanos, tangíveis. Cada faixa, a seu modo, tem um destaque sutil. Don’t Pass Me By tem melodia elíptica e instrumental fantasmagórico, Always This Way e Wild Once ostentam delicadeza impressionante ao violão e nos vocais, enquanto Next Time, talvez a melhor canção do disco, fala de recuperação e força, com um arranjo de cordas impressionante. Novel é pastoril e a última, Nothing, Not Nearly, é uma adorável concessão a um formato mais Rock, mantendo os mesmos predicados presentes nas outras canções.

Laura Marling já não precisa provar nada em sua carreira. Seus trabalhos são intensos e ela só melhora com o tempo. Falando nisso, Laura ainda não completou 28 anos. Que mulher. Que disco.

(Semper Femina em uma música: The Valley)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.