Resenhas

Happyness – Write In

Trio inglês grava disco nostálgico com cara de novidade

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Ano: 2017
Selo: Bar None/Moshi Moshi
# Faixas: 10
Estilos: Rock Alternativo, Indie Rock, Rock
Duração: 45:01
Nota: 4.5
Produção: Happyness, Adam Lasus

Happyness é um trio londrino que tem amor pelos anos 1990. Nada errado nisso, a nostalgia é cíclica e os sujeitos, todos jovens, têm direito de olhar praquela época e sentir saudade. Se o caso é gravar um álbum, montar uma banda e tudo que envolve estas atividades, torcemos/queremos que haja bom senso e noção de que o grande manual da música popular recomenda que eles se apropriem das sonoridades, dos climas, de tudo que possam modificar e tornar novo ou, na melhor das hipóteses, com cara de novo. Ouvindo Falling Down, a bela faixa de abertura deste segundo álbum da banda, Write In, a gente pode ter a certeza de que ninguém aqui está para brincadeira. Dos pouco mais de cinco minutos da faixa, os dois iniciais são gastos com uma bela introdução de guitarras, violões, baixo e bateria, tudo instrumental, fluindo como a própria vida, rumo à chegada dos vocais. E, perto do fim, um teclado doído e sentimental toma conta da música, levando-a gentilmente ao encerramento, sem um único instante desnecessário. É uma bela maneira de começar um disco, certo?

À medida que as canções vêm vindo pelo álbum adentro, temos a certeza que a paleta de cores sonoras de Jon E.E Allen, o cérebro pensante de Happyness, é extensa e abrange várias influências que vão além dos anos 1990. Percebemos que a sutileza é enorme e a tal nostalgia do primeiro parágrafo do texto se insinua da seguinte forma: Allen e sua turma reproduzem/se inspiram na maneira como artistas e bandas de 20 anos atrás olhavam para gente como The Beach Boys, The Beatles e The Velvet Underground, abrindo uma exceção à sonoridade que R.E.M ostentava então. Se falarmos em formações contemporâneas, Real Estate e sua relação com o Rock oitentista britânico surge como um ótimo parâmetro. A insistência nesta forma tão sutil de revisionismo é um justificada pela necessidade absoluta de domínio por parte da banda. É algo meio espantoso para um grupo que se formou em 2013.

Dito isso, o álbum é um convite à contemplação. Melodias muito acima da média desfilam uma após a outra, com arranjos ótimos e um extremo e permanente bom gosto. A preferência é pelas levadas fluidas de violão/guitarra, mas há espaço para piano, caso de The Reel Starts Again (Man As Ostrich), que é uma autêntica balada “piano driven”, com lindeza e inspiração nas observações feitas na estrada. Também há espaço para bons e criativos timbres que não deixam a monotonia se instalar, como em Anytime, que, apesar de exibir os vocais tristonhos e litorâneos característicos, tem sua previsibilidade disfarçada por uma guitarra mais encrespada e versátil, trazendo o resultado final para um inegável 2017. Uma tríplice e curiosa inspiração assombra a bela Through Windows, que tem vocais oscilando entre Lou Reed e John Lennon em suas melhores fases, além de um instrumental que alça inesperado vôo pelos céus coloridos com lápis de cor pelo Tears For Fears na virada dos anos 1980/90. A habilidade do grupo amarra tudo com maestria.

Mesmo com a habilidade em conciliar e apropriar-se de influências díspares, Happyness encontra espaço para mostrar inegável originalidade, especialmente quando aumenta os amplificadores, acrescenta microfonia e se sai com uma invocadinha canção chamada Bigger Glass Less Full, com espaço para harmonia e refrão praiano. Lennon novamente assombra os vocais de Victor Lazarro’s Heart, que tem teclado emulando cordas em nível de beleza elevado e uma levada que poderia estar numa demotape de R.E.M surge em Anna, Lisa Calls, mas o amor pela fase late-60’s dos rapazes de Liverpool surge forte em The C Is A B A G. A última canção, Tunnel Vision On Your Part concentra tudo numa balada sem pressa para acabar, com pinta de inventário emocional e ajuste de contas.

A verdade é que este álbum não tem uma única canção fraca. Tudo é melodicamente perfeito, bem feito e pensado numa minuciosa jornada por caminhos em que o tempo teima em não se encaixar na velocidade descerebrada de hoje. Como os mais espertos sabem, tudo nessa questão é relativo e nos possibilita apreciar com calma trabalhos como este. Faça isso, dispense 45 minutos do seu dia, coloque fones de ouvido e perceba o mar de sutilezas que Happyness preparou para você. Satisfação garantida ou um puxão nas orelhas do crítico musical.

(Write In em uma música: Through Windows*)**.

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BOM PARA QUEM OUVE: R.E.M., Real Estate, Yuck
ARTISTA: Happyness

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.