Resenhas

Peixefante – Peixefante

Disco de estreia do grupo goiano traz ótimas reflexões sobre a percepção humana

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Ano: 2017
Selo: Dull Dog Records
# Faixas: 9
Estilos: Rock Psicodélico, Dream Pop, Folk
Duração: 36:19
Nota: 4.5
Produção: Peixefante

A percepção é realmente um tema fascinante. Por mais que a gente costume empregá-la junto à arte, é por meio dela que o universo e ambiente em que estamos ganha sentido. Assim, é raro que pessoas diferentes possam ter a mesma compreensão universal, por mais que elas tenham vivido as mesmas experiências. É justamente dessa forma que a Psicodelia molda sua estética e sonoridade, se aprofundando tanto nas interpretações pessoais a ponto da música acabar ganhando um aspecto sensorial muito aguçado e, por isso, muito relacionado à lisergia, que potencializa ainda mais estas sensações. Portanto, quando uma banda reduz o aspecto psicodélico apenas à sua estética, ela acaba perdendo a chance de se aprofundar neste delicioso e maravilhoso mundo das percepções humanas. Felizmente, há nomes como Peixefante que entendem perfeitamente o significado real da percepção e conseguem explorar isto como ninguém.

Vindo de Goiânia, um dos polos nacionais mais criativos deste século, o grupo já comprovou proficiência e talento dentro dos ramos da Psicodelia com o EP Lorde Pacal, mas mesmo esse bom registro se revelou apenas um ensaio diante da experiência que o disco de estreia Peixefante nos trouxe. Em nove faixas, a banda mostra claramente as suas influências, desde a Psicodelia nordestina de Alceu Valença até nuances de Dream Pop. Entretanto, o maior atrativo é mostrar como Peixefante interpreta e percebe cada uma delas, não necessariamente sendo da forma mais direta possível. É como se, ao mostrar o universo sonoro deste trabalho, os integrantes colocassem partes de si nas músicas, transformando cada qual em um microcosmo particular com regras próprias e ambientes ricos em detalhes. Alguns poderiam encarar o álbum como pouco coeso e sem unidade, mas é justamente a riqueza de cada composição que faz com que o disco pareça um grande livro de contos, reunidos sob a mesma perspectiva de explorar percepções e transmiti-las da forma mais fiel possível.

Em um coro quase como de Fleet Foxes, Ermitão nos introduz a um universo frio e florestal, com harmonias vocais belíssimas e guitarras distantes. Já Homem Sol nos joga para um lado completamente oposto, criando uma canção de apelo Pop com sonoridades que lembram uma fusão de Clube Da Esquina com Cidadão Instigado, uma mistura feita de forma fantástica. Sunrise traz quase um clima Chillwave, abusando de pads hipnóticos e repetitivos para nos deixar praticamente em estado de transe. Liberdade já explora um lado mais Folk da Psicodelia, com guitarras havaianas e timbres mais melancólicos de sintetizador. Luto é o terreno mais escuro do trabalho, usando ambientações mais soturnas e sombrias sem que isso gere necessariamente uma bad trip. De repente, quando você acha que já viu de tudo, Tchaikovsky cria tensões com um uso quase caricato de um cravo com solos destruidores de Blues. Por fim, Gironopedia nos proporciona o voo final, com uma suave melodia que reconhece a dificuldade de se voltar à realidade depois de planar por paisagens tão fantásticas quando estas que Peixefante nos proporcionou.

O trabalho de estreia do grupo goiano é arrebatador, ao mesmo tempo que um exercício sobre a percepção humana e o quão pouco sistematizada ela é na prática. As músicas facilitam na divisão das referências do grupo, mas é tudo uma questão burocrática pois, na verdade, é um grande fluxo de ideias. E cabe à banda ser nosso guia dentro deste infindável e fantástico oceano de sonoridades. Assim, ao final deste registro, acabamos discordando do que é dito na última faixa do trabalho. Diz-se “do sonho nada ficou”, quando, na verdade, ficou muita coisa em nossa cabeça.

(Peixefante em uma faixa: Homem Sol)

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Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique