Formada na cidade inglesa de Reading, Slowdive é uma dessas bandas conhecidas por poucos, mas amadas por todos. Teve uma carreira curta, entre 1989 e 1995, lançando três álbuns neste espaço de tempo. O segundo, Souvlaki (1993), é um clássico dos anos 1990, um dos dez álbuns mais queridos do chamado Shoegaze, aquela variante contemplativa, guitarreira, viajante e introspectiva do que a gente entendia por Guitar Rock naqueles tempos. A verdade é que esta sonoridade nunca envelheceu e permaneceu formando e influenciando artistas nas décadas seguintes. O casal cerebral da banda, Neli Halstead e Rachel Goswell, esteve à frente de outros projetos, especialmente o belo e formoso Mojave 3, além de gravar solo e participar de um sem-número de álbuns e coisações mil nos anos seguintes. Mesmo assim, talvez nunca tenham soado tão sinceros e sintonizados quando integravam a banda original. Dessa forma, após alguns shows de reunião de Slowdive em 2014, não surpreende que tenhamos um novo álbum como resultado.
O interessante neste quarto disco da banda é a construção de uma sonoridade elegantíssima e triste, que poderia, sim, ser considerada Shoegaze, mas que aponta para mais e maiores pretensões. É interessante porque Slowdive nunca foi uma banda completamente classificável dentro do estilo, tendo, sim, gravado um álbum marcante, mas também optado por flertar com sonoridades eletrônicas e mesmo alguns elementos do Reggae e do Dub em momentos esparsos. Claro, originalmente é uma banda guitarreira inglesa mas está longe de ser típica e comum. O amor pela sonoridade de formações pioneiras dos anos 1980, que adentraram a década seguinte influenciando e produzindo belos álbuns, caso específico de Cocteau Twins e de The Jesus And Mary Chain, mais contemporâneos como Ride e My Bloody Valentine, completaram o coquetel de informações que povoou a mente dos divers. Somando uma paixão pela fase psicodélica de Pink Floyd e um pouco de Folk anglo-americano setentista e a receita está completa. Convenhamos, é um belo cartão de visitas.
Slowdive, o disco, é uma belezura. Produzido por Halstead e totalmente sintonizado com o nosso tempo, ele é, ao mesmo tempo, generoso com o passado recente e consciente o bastante para evitar a nostalgia. Claro, os fãs de longa data se divertirão empreendendo buscas a timbres e climas dos tempos idos e os encontrarão com facilidade. Só que o grande lance do álbum não é caçar o passado, mas encontrar a majestade de Neil e Rachel como compositores e artesãos Rock. As guitarras estão em primeiro plano, mas é reducionista ignorar a beleza dos arranjos de cordas, do cuidado com que os vocais foram gravados e, sobretudo, do entrosamento perfeito entre os vocais do casal, gerando efeitos belos e eficazes.
A decisão de preencher o disco com apenas oito faixas fez com que a coesão viesse naturalmente. Não há momento desnecessário por aqui, com melodias absolutamente belas por todos os cantos. Destacamos o vôo sobre horizonte gelado que é Everyone Knows, que alcança níveis intensos de beleza com a alternância entre timbres de guitarra, violões e teclados, todos unidos para criar a impressão de uma tradução musical da beleza ártica. No mesmo grupo de faixas imperdíveis estão Don’t Know Why, com andamento e guitarras que arranham as lembranças de quem sintonizava a MTV nas madrugadas noventistas em busca de novidades e dava de cara com gente realmente nova, produzindo música realmente boa. O final também merece menção, personificado pelos oito minutos de Falling Ashes, uma canção com piano, crescendo, climas, clímax, contemplação e tudo a que tem direito.
Slowdive, a banda, retorna em bom tempo com este álbum homônimo, que não deixa nada a dever aos outros trabalhos e tem tudo para encontrar colo e carinho junto aos novos, novíssimos e velhos fãs. Um presente, um afago sônico.
(Slowdive em uma música: Everyone Knows)