Na química, usa-se o termo “sublimação” para se referir à passagem de um material do estado sólido diretamente para o gasoso. A psicologia, no entanto, apropriou-se da palavra para explicar um mecanismo de defesa da psique, que satisfaz pulsões reprimidas do subconsciente através de mecanismos “socialmente aceitáveis”. A arte, sem dúvida, é uma delas.
E parece justo falar de sublimação para explicar as atmosferas esfumaçadas deste excelente No Shape (“sem forma” em livre tradução), o quarto álbum do artista norte-americano Mike Hadreas, mais conhecido pelo codinome Perfume Genius. Atravessando traumas do passado — a violência que sofreu quando mais jovem por ser homossexual, a convivência com sua família desestruturada e o abuso de drogas —, Hadreas encontra o amor ao lado de seu parceiro Alan Wyffels (ouça a faixa Alan), e ajusta as contas com a vida através da música.
Bastar assistir aos primeiros segundos do videoclipe de Slip Away, o single escolhido para representar o trabalho, para entender que Hadreas buscou em Kate Bush (e sua paixão avassaladora inspirada n’O Morro dos Ventos Uivantes) e Prince (e sua Purple Rain romântica e melancólica) a inspiração conceitual de No Shape. Mas o álbum dificilmente se reduz a esses predicados. Há aqui também um alinhamento com algumas das expressões Eletrônicas mais interessantes da contemporaneidade, seja nos avanços melódicos de Blood Orange, seja nas introversões sombrias de Arca.
A voz aveludada de Hadreas escorre sobre uma camada de cordas orquestradas, sustentados por sintetizadores que borbulham lentamente, como um rio de lava que consome o ambiente pelo qual avança, transformando o ar em fumaça e ondas de calor. Perfume genius, o “gênio do perfume” é o um nome que sugere desde sempre uma habilidade do artista em manipular, digamos assim, vapores e essências, em favor da sensibilização dos nossos sentidos. Sob este ponto de vista, No Shape é a consagração do artista no seu ideal.
(No Shape em uma música: Slip Away)
