Resenhas

alt-J – RELAXER

Banda sublima suas pulsões de morte em ótimo trabalho

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Ano: 2017
Selo: Infectious, Atlantic
# Faixas: 8
Estilos: Art Pop, Indie, Folk
Duração: 38:59
Nota: 5.0
Produção: Charlie Andrew

alt-J é uma banda inglesa que atraiu atenção mundial após o seu disco de estreia, An Awesome Wave (2012), ganhar um Mercury Prize. Desde então, os olhos atentos do público têm acompanhado de perto os movimentos do grupo. No início deste ano, após jogar alguns teasers na internet, a banda anunciou oficialmente o lançamento de seu terceiro álbum, intitulado RELAXER.

Quando me deparei com os singles lançados na antecipação de RELAXER imaginei que este seria o seu trabalho mais violento até agora. 3WW (uma abreviação possível para “terceira guerra mundial”, em inglês) e In Cold Blood (“a sangue frio”) são títulos que me fizeram ter a certeza de que a banda, obcecada desde sempre pela morte, estaria aprofundando ainda mais sua relação com o tema. Ter a oportunidade de ouvir o trabalho completo, no entanto, é felizmente perceber que as coisas não são tão simples com o trio formado por Joe Newman, Gus Unger-Hamilton e Thom Sonny Green.

Para contextualizar, vamos pensar no filme Além da Linha Vermelha (The Thin Red Line, 1998), dirigido por Terrence Malick. Por ser sobre a guerra, o filme é, portanto, sobre o embrutecimento absoluto da energia masculina. No entanto, o olhar sensível de Malick reflete – conforme o título do seu trabalho sugere – sobre a ultrapassagem desta masculinidade tóxica em direção ao encontro com a subjetividade. Tal passagem em direção ao âmbito existencial é também a energia que paira sobre RELAXER.

Vamos voltar um pouco e pensar também em Sigmund Freud, o criador da psicanálise, e na sua teoria das pulsões. A grosso modo, para o pensador, uma pulsão é um desejo do subconsciente, e se divide em duas frentes primordiais: Eros, a pulsão sexual, e Tânato, a pulsão de morte. Todos os impulsos interiores das ações humanas, portanto, são derivadas da combinação entre essas duas. RELAXER é uma viagem pelo território simbólico do subconsciente, marcado pelo interdependência entre o desejo e a morte. Vale atentar para alguns exemplos dentro do trabalho para entender melhor esse aspecto:

3WW significa, na verdade, “three worn words” (“três palavras gastas”): eu te amo. A música fala sobre um jovem que sai para sua primeira aventura sexual e é ironizado pela sua falta de experiência. A faixa também faz referência à estátua de Julieta em Verona, que acabou danificada pela superstição dos turistas em busca da sorte no amor. “I just want to love in my own language” (“eu só quero amar em minha própria língua”) nos diz a faixa: afinal, encontrar a subjetividade é a capacidade de articulá-la em linguagem.

Adeline, por sua vez, usa a metáfora de um demônio da tasmânia para falar sobre a ânsia masculina de consumir aquilo que deseja. Musicalmente, a faixa é inspirada em Hans Zimmer, não por acaso, autor da trilha sonora de Além da Linha Vermelha. Adeline ainda ajuda a deixar evidente outra grande influência presente em RELAXER: a música Folk. A faixa faz alusão à canção The Auld Triangle, que conta a história de um homem preso e que, portanto, sofre por não poder ver a amada. Na prisão, enlouquece diante das badaladas de um triângulo. Não custa lembrar que o próprio nome da banda faz alusão a um triângulo (Alt+J é o atalho no Mac usado para criar a figura geométrica).

Uma tradição da música Folk consiste na apropriação de melodias preexistentes, uma cultura sempre em expansão através da tradição oral. Assim é com a versão de alt-J para House of Rising Sun, que aqui passa a focar na relação problemática do personagem com sua figura paterna. Assim é também com Pleader, faixa que encerra o trabalho, inspirada no romance Como Era Verde o Meu Vale (How Green was My Valley, 1939). Aliás, interessante notar como a cultura Folk de certa forma incorpora essa energia com a qual alt-J trabalha: uma paixão pulsante reprimida, mas avassaladora, capaz de desbloquear a subjetividade.

Falar sobre RELAXER desta forma pode trazer a impressão de que a audição do álbum pode ser uma tarefa árdua, o que seria um engano. Vale ressaltar como a banda consegue sublimar suas pulsões de morte com um material envolvente, dividindo o ouvinte entre a tentação e a intriga. Suas canções são de fato noturnas, mas prazerosas para quem as ouve. Temos o amparo do violão clássico, temos vozes abertas em coro e temos o substrato macio de timbragens eletrônicas por aqui, fatores que jogam unidos na elaboração de um universo complexo e único na música atual.

Em RELAXER, alt-J articula sua própria linguagem e propõe um encontro com a subjetividade masculina através da própria, sem soar piegas, ingênuo ou academicista, mas de forma extremamente sensível e melódica, jogando com os símbolos escondidos pelo subconsciente como se fizesse malabarismo com os desejos humanos. Nota máxima.

(RELAXER em uma música: Adeline)

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BOM PARA QUEM OUVE: Hans Zimmer, Vilde, Radiohead
ARTISTA: Alt-J
MARCADORES: Art Pop, Folk, Indie, Ouça

Autor:

é músico e escreve sobre arte