Resenhas

Bratislava – Fogo

Novo disco da banda acerta em boas e intensas canções

Loading

Ano: 2017
Selo: Independente
# Faixas: 8
Estilos: Rock Alternativo, Indie Rock
Duração: 32:07
Nota: 4.0
Produção: Hugo Silva

“Não, não é melancolia, você também tem os seus dias de olhar pra dentro, estamos em constante renascimento, não acho que o mundo é cinzento, cê tinha que ver o que passa aqui dentro”. Esta sequência de versos conduz a ótima segunda canção deste Fogo, novíssimo trabalho do grupo Bratislava. A banda esteve no palco do prestigioso Lollapalooza no início deste ano, comportou-se de forma bastante satisfatória e retorna com um feixe de oito canções noturnas que passam longe da mera contemplação. A ideia aqui é fazer uma música literata, com letras belas – cortesia de Victor Meira, vocalista e tecladista, que solta sua verve de escritor e consegue encaixar sua prosa poética em melodias que passam longe da banalidade. Tem amor, tem solidão, tem observação e, mais do que tudo, tem visão do país no qual vivemos nestes tempos estranhos.

Ainda que a música Pop de qualidade produzida no Brasil atual tenha qualidade de sobra, são poucos os artistas que conectam a dificuldade para lançar seus trabalhos com o modelo de sociedade que foi escolhida para nós nestes tempos estranhos. Parece que esqueceram sua capacidade de protesto, de enxergar as coisas como são e verbalizar, produzir. Bratislava quebra esse silêncio quase total com uma gloriosa canção chamada Enterro, que aborda de forma poética a tragédia ecológica ocorrida na cidade mineira de Mariana. Se valendo de figuras de linguagem como “grande dragão de lama” e “Da janela, Mariana percebeu que era o fim”, Victor Meira consegue dar uma nova dimensão para este evento triste, que ganhou dimensão mundial e foi abandonado pela opinião pública brasileira à medida que o tempo foi passando, transformando-se num quase total e constrangedor silêncio. A gravação tem a participação de Gustavo Bertoni, vocalista da banda brasiliense Scalene.

A impressão que Fogo transmite é a da inquietação bem longe da passividade. Meira oferece ao ouvinte a senha para seus pensamentos, especialmente os mais secretos e condenados a sumir quando o dia chega, algo que é raro de se ver. A banda se ocupa em fornecer uma moldura sonora que sustenta as ótimas letras, dando às faixas uma aura solene e bastante intensa, como se determinadas coisas não se contivessem mais no plano fechado do silêncio e precisassem ser ditas/ouvidas para o maior número de pessoas. Dá a impressão de alguém indo para um terraço com um megafone. A banda mantém os parâmetros mais convencionais do Rock sob controle. Há uma clara opção por sonoridades mais climáticas e lentas, que escondem tempestades sônicas que acontecem ou se mantém apenas no terreno da insinuação. Guitarras espocam aqui e ali, especialmente em faixas como Amor de Chumbo, que tem idas e vindas e algumas convenções que são quebradas intencionalmente e Fogo, que alterna gritaria, barulho e palavras metralhadas como eu sou o cara que vai trabalhar triste.

Outros momentos que merecem destaque: a intensidade à meia-luz de Trancado, que parece esconder verdades terríveis que nunca chegam ao entendimento total; a belezura de Céu de Pedra, metáfora das mais belas para algo/alguém que é sepultado num jardim de esquecimento que, no entanto, nunca é capaz de trazer esquecimento ou solução.

Fogo é um baita disco, desses que passam despercebidos mas que encerram enorme carga emocional traduzida em palavras. Ouça antes que seja tarde.

(Fogo em uma música: Enterro)

Loading

BOM PARA QUEM OUVE: Terno Rei, Transmissor, Apanhador Só
ARTISTA: Bratislava

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.