Resenhas

Mr. Jukes – God First

Disco é um simpático jogo de esconde-esconde de samples

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Ano: 2017
Selo: Island
# Faixas: 10
Estilos: Hip Hop, Pop Alternativo, R&B
Duração: 40:01
Nota: 4.0
Produção: Mark Steadman

Cada geração tem o Damon Albarn a que faz jus: Jack Steadman é o vocalista e guitarrista em Bombay Bicycle Club, razoável grupo inglês da segunda divisão do Rock dos anos 00. Ele é mais um dos inúmeros branquelos nascidos na Velha Ilha a se encantar com a música feita por negros nos Estados Unidos ao longo do século 20. Aproveitando que seu grupo está naquela fase conhecida por “hiato”, Jack assumiu uma persona artística (o tal Mr. Jukes) e resolveu dar espaço ao seu amor pela música estadunidense gravando um disco cheio de colaborações ilustres, calcado totalmente no uso de teclados, samplers e engenhocas mil. O resultado é esse divertidíssimo God First.

Uma primeira olhada para o disco nos faz pensar em algo próximo do que Gorillaz poderia ter feito em sua estreia há – tempo voa – 17 anos. Só que o buraco é mais embaixo aqui. A ideia de Jukes é intervir de modo bem discreto nas faixas, optando por usar o sampler como ferramenta principal, num movimento que o coloca mais próximo de um fã de música em homenagem aos artistas e gêneros preferidos em vez de um sujeito com vontade de modificar sensivelmente canções destes gêneros. Geralmente a imprensa especializada mais convencional implica com esse tipo de trabalho, não por acaso, God First vem recebendo avaliações mornas lá fora, no entanto, é possível ver o quanto de esmero e respeito há por aqui. Além disso, o time de convidados pertence ao topo de linha, indo de Charles Bradley e De La Soul, passando por BJ The Chicago Kid e chegando em Lianne La Havas, só pra ficarmos em alguns.

Se você é um desses malucos que gostam de identificar e pesquisar samples, além de montar quebra-cabeças sonoros, a diversão é garantida por aqui. Jukes abriu as portas de sua discoteca e mergulhou em águas tépidas, com apreço pela esquisitice mas também lembrando da acessibilidade. Não por acaso, faixas como Grant Green (homenagem literal ao grande guitarrista de Jazz dos anos 1960/70) surge como destaque inicial. A ideia é simples: um sample do próprio Green interpretando sua versão destruidora para Ain’t It Funky Now, clássico incendiário de James Brown recebe vocais dilacerantes de Bradley, como ele sabe fazer. O resultado é adorável e intenso. Ruby é outra lindeza/belezura, com batida hip-hopesca clássica, turbinada por pianos alheios e clima que lembra os álbuns de gente como Guru/Jazzmatazz no início dos anos 1990. Os vocais ficam a cargo do próprio Jukes, criando uma combinação harmônica e bem interessante.

O ponto alto do álbum é a colaboração com De La Soul e o veterano vocalista Horace Andy, Leap Of Faith. A faixa é um racha-assoalho de primeira categoria, com batidas superlativas, vocais de Andy em níveis altíssimos de beleza e competência e uma presença malandrinha do trio novaiorquino, relembrando quem manda nessa coisa de Rap/Hip Hop. From Golden Stars Come Silver Dew, faixa que tem a participação da voz gospel quente de Lalah Hathaway (seu pai, Donny, foi um dos maiores soulmen de todos os tempos, sem exagero), também faz bonito entre os destaques. O fecho com Lianne La Havas chama-se When Your Lights Go Out e respeita totalmente as características da moça, privilegiando seu canto límpido e intenso.

God First é uma homenagem sincera mas capaz de funcionar bem além deste terreno. É reverente e criativo como álbum, tem boas faixas, cheias de potencial Pop e credencia Jack Steadman/Mr Jukes como um nome interessante neste universo sensacional dos sampleadores com ares de cientistas loucos dos estúdios. Gosto que me enrosco.

(God First em uma música: Leap Of Faith)

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BOM PARA QUEM OUVE: The Avalanches, Mark Ronson, Gorillaz
ARTISTA: Mr. Jukes

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.